As Rectas São uma Seca revela-nos a sua faceta de escritor. Porquê um livro agora?
Sempre escrevi desde miúdo, tinha muitos textos, mas a decisão de lançar o livro surgiu numa conversa com o Alexandre (Vasconcelos e Sá, director da editora Objectiva), que soube que eu escrevia e mostrou-se interessado.
São só textos antigos?
Há textos com 40 anos, outros com três meses. Alguns de quando tinha 15, 16, 17 anos e vivia no Alentejo, que revelam a infância e juventude, em que fui tão feliz, e, depois, a vinda para o mundo novo de Lisboa. É uma amálgama muito grande de textos, escritos nas mais diversas situações ao longo de décadas, nos plateaus, nos camarins, na Ponte Vasco da Gama, em cima da mota, sobre a minha vida, situações que me marcaram, coisas que me passam pela cabeça...
Se lhe pedisse para fazer um resumo deste livro, o que diria?
No fundo, o leitor encontrará aqui o que se passa na cabeça dos actores. Para além das luzes, da ribalta e dos panos pretos.
Quem é o Vítor Norte?
Sou uma pessoa complexa, que agora pensa uma coisa, mas daqui a pouco pensa outra coisa diferente. Não tenho verdades! As coisas mudam a cada instante. Assim tem sido a minha vida. Sem metas ou paragens.
Chegou aos 59 com algumas certezas, certamente. Quais?
Acho que cada vez tenho menos certezas. O panorama, em especial o artístico, é tão diverso a cada ano que passa, que as certezas caem por terra. A única certeza que tenho é que quero ser feliz, como toda a gente... E o futuro, é sempre bem-vindo, exactamente porque não há certezas.
Foi surpreendido quando soube, pela Imprensa, que a sua filha trabalha num bar de strip.
Fiquei surpreendido porque não esperava aquilo... Sabia que a Sara estava a trabalhar num banco e noutro emprego, mas depois mudou. Não estou muito de acordo, tal como nunca estive de acordo que ela mudasse de profissão porque ela tinha talento e podia ser uma grande actriz... Mas ela é maior e vacinada, sabe o que quer da vida e eu não posso fazer nada. Já falei com ela e cheguei a essa conclusão. Geralmente os actores não desejam essa profissão para os filhos.
Eu gostava muito que a minha filha fosse actriz. Via-lhe talento e o público também. Na rua as pessoas perguntam-me por ela! É uma pena ela ter terminado a carreira, porque é uma profissão lindíssima quando levada a sério. Mas ela optou por ser uma pessoa normalíssima, com um emprego normal num banco e, agora, a servir copos.
Ela explicou porquê o bar de strip?
Precisa de ganhar dinheiro e acha que ali ganha mais. Aliás, ela trabalha muito. Trabalha num banco e ali. Acho que dorme duas ou três horas por dia... No fundo, admiro-a porque se lançou à vida! Se não quer ser actriz, tem de saber fazer outras coisas. É assim que ela quer ganhar dinheiro, precisa da sua independência, pagar as contas – o carro e a casa. Ela é que sabe.
A conversa que teve com ela tranquilizou-o?
Não, nem por isso. Não são os ambientes mais saudáveis. Mas ela é que sabe. Não posso fazer nada.
O divórcio de Carla Lupi afastou-o dos seus filhos?
A partir de certa altura a relação tornou se muito mais difícil. Ontem li um artigo sobre a deformação mental que uma separação pode provocar nos filhos: os que ficam com a mãe, ficam mais tremidos com o pai e vice-versa. E foi isso que aconteceu. Mas depois as coisas atenuaram-se. O tempo limpa tudo.
Não falava com a Sara há muito tempo?
Houve afastamentos e aproximações entre nós. É normal, os filhos criarem a sua vida e afastarem-se dos pais. Mas nunca deixámos de falar. Nunca deixei de telefonar à Sara pelo menos uma vez por semana, de perguntar se estava tudo bem, se ela precisava de ajuda.
O mesmo em relação ao Diogo?
O Diogo vive com a Sara na mesma casa há uns anos. Está a estudar Design Gráfico. Era meu companheiro de equipa nas corridas, mas deixou de ir porque anda mais interessado no futebol. Mas telefonamo-nos bastante.
O que é que o preocupa mais?
Os meus filhos são a única coisa que me preocupa. Ter um bebé e ter já uma certa idade. Se desaparecer, o que será feito dele? Preocupa-me não ter 30 anos, não pela idade, mas porque podia acompanhá-lo, vê-lo tornar-se um homem, coisa que já não vai suceder.
Para si, o que é uma seca?
É o quotidiano sempre igual. São as coisas diferentes que me interessam e me fazem acordar alegre e com a perspectiva do que me vai acontecer de novo. O quotidiano, as coisas normais, muito iguais, isso, são as rectas.
A vida pode ser uma seca?
Para mim não. Todos os dias posso receber um telefonema para fazer um filme, ou uma peça de teatro, com pessoas novas, com novas dificuldades e alegrias... A minha vida sempre foi assim, e é por isso que gosto de ser actor. Não há nada certo. Acho interessante viver assim.
O que está a fazer agora?
Estou a gravar uma série cómica para a RTP, mas ainda não posso falar muito sobre isso. Tenho trabalhado em televisão, fiz dois filmes, ainda por estrear: um sobre o desvio do paquete Santa Maria, outro sobre Aristides de Sousa Mendes, em que interpreto o próprio.
Gosta acima de tudo da mudança...
Isso é que é bom. Nunca saber o que vem amanhã. Acho que vou andar a cair da tripeça e sempre desejoso de começar um trabalho novo, a pensar no que vai acontecer desta vez. Depois de 41 anos, de tantos filmes e novelas, o deslumbramento da primeira vez nunca me deixou.
É um actor feliz?
Sim. As pessoas conhecem-me e, aparentemente, gostam de mim. E gosto do público! Não sou dos que fogem e usam óculos escuros para se esconder. Uso-os porque a luz me fere a vista.
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