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Vicente

Sobreviveu a um cancro com apenas seis meses e mãe recorda o pior ano no IPO

Seg, 11/05/2020 - 19:35

Liliana Cardoso é mãe do pequeno Vicente, que sobreviveu a um cancro com apenas seis meses. Conheça a história deste pequeno guerreiro.

Liliana Cardoso tem 40 anos e sempre sonhou em ser mãe. A paixão por crianças levou-a a constituir uma família numerosa. É mãe de quatro filhos, frutos do casamento com Maurício Freitas, da mesma idade. O casal tem duas gémeas, Maria Francisca e Maria Carlota, de oito anos, Vicente Maria, de seis, e Vasco Maria, de dois.

Lili, como é carinhosamente tratada, é, como a maioria das mães, uma verdadeira mãe-galinha. Mas esta característica intensificou-se em maio de 2014, quando o pequeno Vicente foi diagnosticado com cancro. Tinha apenas seis meses. 

«Se dissesse que não era mãe-galinha estava a mentir. Sou muito descontraída, e com a passagem do Vicente pelo IPO do Porto, deixei de dar importância a muita coisa e a valorizar muitas outras. Tento ser o mais atenta possível ao dia-a-dia deles e estar presente em momentos que nos parecem pequenos, mas que aos olhos e coração deles são bem grandes. Sou “galinácea” no sentido de serem educados e crianças ditas “normais”...», conta à NOVA GENTE.

O duro diagnóstico

Segundo esta “mãe-galinha”, o Vi, alcunha do pequeno Vicente, sempre foi um bebé “muito tranquilo”, mas desde cedo teve cólicas. «Ele teve muitas cólicas mesmo. O que achamos normal para um bebé da sua idade. Lembro-me de dizer que iria mudar com a introdução de sólidos, mas tal não aconteceu», recorda aquela que descobriu o problema do filho numa consulta de seguimento de pediatria. 

«O Vicente estava a tomar antibiótico por ter feito uma reação, na axila, a uma vacina. Nessa mesma consulta pedi à pediatra para ver a barrigota do Vi, pois para além das cólicas tinha imensa dificuldade em fazer cocó. A Dra Maria José Vale após palpação aconselhou, docemente, a irmos ao hospital para fazermos uma ecografia abdominal. Lá fui eu com o pequeno Vi. Foi tudo muito rápido, desde a triagem, até...», conta, recordando o início do pesadelo.

- «Mãe, o Vicente tem uma massa, uma massa... terá que ser internado agora no Hospital do S.João no Porto.»

- «Massa?! Doutora, está a tentar dizer que o Vicente tem um tumor?», questionou incrédula.

Liliana ficou sem chão. Esperou que o marido chegasse para ser ele a acompanhar o filho na ambulância para o Hospital do Porto.

«Peguei no carro e não me lembro como fui buscar as minhas filhas e dar a notícia aos meus pais sem os alarmar...»

Seguiu-se uma bioopsia que deu alguma esperança aos pais, porque tudo apontava que seria um tumor benigno e a cirurgia seria suficiente. O menino foi submetido a uma cirurgia de cerca de seis horas.

«Quando respirávamos de alívio, três semanas depois, chegou o terrível telefonema. Era necessária uma nova intervenção cirúrgica para ter a certeza que ficaria tudo limpo, já que a análise ao que foi retirado da primeira cirurgia deu como resultado um tumor com alta capacidade de crescimento, invasivo, portanto maligno...», recorda. 

O IPO tornou-se a segunda casa

Depois de uma segunda cirurgia, aos pais do bebé Vicente foram aconselhados a submetê-lo a tratamentos de quimioterapia. «Fizemos as contas e seriam cerca de 12 meses, nunca menos, da nossa vida naquela “outra” casa. Das coisas que mais pedi ao marido foi que não andasse com as meninas de lado para lado. Falámos com os meus pais e sogra para nos ajudarem nesse sentido. Iam buscar as meninas ao colégio e seguiam para a nossa casa de forma a que elas não sentissem ainda mais alterações além da minha ausência e do mano. Estavam na casa delas!!! Os meus pais literalmente mudaram-se cá para casa. Ajudavam o Maurício nas lidas da casa e com as meninas. Elas tinham apenas dois anos e sete meses», conta.

Lili ficava com o Vicente no IPO de segunda a sexta-feira. À sexta, por volta das 21h00, deixava que o pai chegasse ao IPO para ficar com o Vicente e seguia caminho até ao seu lar. Desta forma, sábado de manhã, as gémeas acordavam com a mãe em casa. «Domingo à tardinha ou na segunda pela manhã cedinho lá ia eu ter com o meu badoxinha (como lhe chamei durante meses) e o Maurício lá vinha para mais uma semana de trabalho e ter com as filhas. Nunca tinha conduzido no Porto, das primeiras vezes ia o meu pai comigo ou a tia Cor de Rosa (como carinhosamente a chamamos). Depois ganhei confiança e lá fui e vinha eu...»

O pequeno Vicente fez 14 ciclos de quimioterapia. «Teve que colocar um catéter no peito (sub-dérmico), sendo o tratamento por via endovenosa...», tenta explicar a mãe sem ter a certeza dos termos técnicos. «Eram três dias de “droga” e o último de limpeza. Após cada ciclo de tratamento ficávamos cerca de dois dias em nossa casa. Por norma ao 3.° ou 4.° dia o Vicente fazia temperatura e lá íamos nós para mais uma estadia no IPO sem data marcada de regressar. Eram efeitos secundários da quimioterapia. Os valores desciam, provocando febre, falta de apetite, rebentava-lhe a boca, o rabinho... Foram dias difíceis, muito difíceis.»

Durante meses, o IPO foi a segunda casa de Liliana, que acabou por aceitar a realidade e dar a volta por cima, dentro das possibilidades. Por lá conheceu pessoas incríveis que ainda hoje valoriza e tem ligação. 

«Comecei a ganhar forças, ânimo e achei melhor alterar o nome de IPO para Casa Especial!!! Especial sim, com meninos, sem dúvida, especiais com um dom incrível de suportar a dor, de fazer rir os pais na maior das aflições... Enfermeiros, Médicos, Auxiliares, todos escolhidos a dedo. Ainda hoje mantenho uma ligação de muito carinho com bastantes deles.
Mantemos uma ligação muito forte com bastantes famílias com quem vivemos intensamente aquele ano, naquela casa.»

Uma estrelinha chamada Rui

Durante este período difícil, Liliana e Maurício criaram amizades especiais com pessoas especiais. Ana e Carlos fazem parte de uma das famílias que mais os marcou. O filho deste casal, Rui, não resistiu ao cancro. Ruca era a sua alcunha.

«Acabou por partir depois de muita luta. A Ana e o Carlos fazem parte da nossa vida. Até os convidámos para serem os padrinhos do nosso Vi! Entre sorrisos e lágrimas aceitaram com a maior das alegrias.»

Liliana agora olha para trás com um sorriso no rosto e muitos agradecimentos no coração.

«Foi um ano de muitas emoções, inicialmente com muita revolta contra o universo, de impotência enquanto mãe e ser humano, de perda e muita dor. Dentro daquelas quatro paredes chorei sozinha, mas também ri e dei muitas gargalhadas, com o meu Vi, com os meus meninos, com as minhas mães, voluntários, enfermeiros, médicos, auxiliares de cozinha de limpeza, Operação Nariz Vermelho, e todos aqueles que ajudaram o meu Vicente. Passou-me vezes sem conta pela cabeça que não levaria o meu filho com vida para a nossa casa. Apesar de ser uma pessoa positiva por natureza, o medo quase se apoderou de mim. Vi muitos meninos partirem naquele hospital, outros “assisti” do colo do meu lar.»

Vicente, um pequeno guerreiro

Hoje com seis anos, o pequeno Vicente é um menino cheio de energia, saúde e com muita vida, segundo descreve a mamã. «É um pirata de olhar ternurento e sedutor, é um verdadeiro “bota charme”... Mais parece um menino do coro que chama constantemente feio e mau a quem o contraria. Tem agora por hábito dizer “Ó miúda, respira”. Tem como seu melhor amigo, o avô Quim Berto, e quando for grande quer ser doutor dos carros. É o rojãozinho da família, o meu ser especial, Vicente Maria!», conta orgulhosa.

Como estão a viver a pandemia de Covid-19

O casal está, como a maioria dos portugueses, em quarentena em casa devido à pandemia de Covid-19, até porque Vicente pertence ao grupo de risco.

«Começámos a ter perceção desta pandemia uns dias antes, o Maurício começou a receber mensagens de amigos médicos, alertando que os  primeiros casos já começavam aparecer nos hospitais bem próximo de nós e para termos especial cuidado com o Vicente pois percente ao grupo de risco, sendo um menino que teve cancro acaba por ser mais vulnerável do que outra criança dita normal. No dia seguinte ninguém foi à escola. O Maurício trabalhou mais uns três dias e também resolveu encerrar o consultório de medicina dentária», recorda.

Liliana tem dedicado o seu tempo a cuidar dos filhos, mas também tem ajudado as colegas de trabalho e a irmã em teletrabalho com a Bastidor Colorido, e «escrever alguns rabiscos» no blogue 3 Marias, 1 hóspede e 1 cão.

 

Texto: Filipa Rosa; Fotos: Gentilmente cedidas por Liliana Cardoso

 

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