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«Uma extensão de mim»

As estrelas da noite são eles (ou elas), o género não importa

Qui, 12/12/2019 - 17:38

Estamos no Trumps, o bar gay lisboeta de que todos falam e a que muitos querem ir matar a curiosidade. São 21h30 e ainda é cedo demais para quem aqui trabalha. A reportagem que revela o mundo drag queens, onde as verdadeiras estrelas da noite são eles (ou elas), o género não importa

Cheira a laca, cheira a cola, cheira a gente. Há cabides na parede, há sapatos de salto alto no chão, há fumo no ar. Fala-se de coreografias, fala-se de leques, fala-se de secar perucas com desumidificadores. 

Estamos no Trumps, o bar gay lisboeta de que todos falam e a que muitos querem ir matar a curiosidade. São 21h30 e ainda é cedo demais para quem aqui trabalha. Marco Mercier, um dos diretores e sócio, chega e conduz-nos pelo espaço dentro. «Aqui é só o bengaleiro», aponta. Tudo acontece na cave, no andar de baixo. A noite, que ainda é uma criança, depressa se começa a preparar. 

«São 39 anos de história, 39 anos de personalidades que marcaram a vida portuguesa e de momentos inesquecíveis para quem os passou, como por exemplo, o primeiro concerto de Variações. Muitos foram os artistas que deram liberdade à sua expressão no palco do Trumps através de dança, canto, teatro ou encenação e que levaram o cunho Trumps dentro do seu trabalho e da sua história», conta-nos Marco Mercier. Para ele, o Trumps não é só um bar, é a Meca da música, da extravagância e da liberdade de expressão.

As luzes acendem-se para mais tarde se apagarem. Os protagonistas da noite começam a chegar um a um (ou uma a uma). Há maquilhagens perfeitas e perucas por colocar. Há ténis na mão e sapatos para calçar. Há testemunhos sinceros e naturais. Há orgulho nas palavras e brilho nos olhos. Há segurança e empenho, sem questões nem confusões. 

«Bitch. Get my wig, get my wig, get my wig. Get it girl, get it girl.» A música repete-se vezes sem conta. Durante duas horas, o grupo de seis drag queens repete a coreografia. São imparáveis. Apesar dos saltos de 15 centímetros não se sentam, nem nas pausas. «É pior» se se sentarem, dizem. 

«Há alguns que não são assim tão confiantes»

Cabem todos no camarim de dois metros quadrados, apesar do espaço que as perucas ocupam. Todos se conseguem ver no espelho que está emoldurado com lâmpadas, tal como num espelho com que todas as mulheres sonham. Há sempre algo a compor. Há sempre mais um pouco de laca para pôr. Há sempre um cinto a apertar mais. 

Chamam-se Lexa BlacK, Filha da Mãe, Çirce, Rebeca Bunny, Lola Bunny e Marge Mellow. Chegam tal como a Ludmilla canta: «Cheguei, chegando». São os mais confiantes da sala. Não se limitam nas poses nem nos gestos. São uma extensão que não conhece as barreiras que, cá fora, a sociedade impõe. 

«Há alguns que não assim tão confiantes», confessa-nos Ary Zara Pinto. É ele que trata de colocar a luz certa na hora certa e fotográfa as «rainhas da noite» no camarim de dois metros quadrados. Ele conhece os dois lados de quem se transforma quando o sol de põe. 

Na vida real, chamam-se Dennis, Pedro, José, Pedro, Jorge e José. São atores, revisores de conteúdo, optometristas, designers… Consideram ter duas profissões. Ou às vezes mais. Durante o dia são homens, com relações assumidas, empregos fixos, rotinas criadas. À noite, quando descem a longa escadaria até à cave do número 104 da Rua da Imprensa Nacional, são drags queens: uma extensão deles próprios.

Estão nas noites das quintas, das sextas e dos sábados. Cada uma com um estilo musical, mas todas com a diversão garantida. Enquanto a sala ainda está vazia, já se veem vestígios daquela que será o auge de todas as festas. «A passagem de ano no Trumps é um momento de pompa e circunstância e todos os nosso clientes o sabem. Este ano teremos um Frozen Reveillon. E não, não se confundam com o filme da Disney, aqui é a versão gelada de verdade! Há uma passadeira azul com flocos de neve e um céu azul, há pilares de cristal e gelo, há photo points prateados para memórias fotográficas da passagem de ano e nove animadores vestidos a rigor para garantir que a noite em absolutamente mágica», promete Marco Mercier. 

A noite já vai longa para quem costuma adormecer pelas 22h00. Mas só às 2h30 é que a pista, onde ensaiaram durante horas, abre as portas à multidão que já ocupa a pista mais pequena. Quem entra, vem de sorriso no rosto e ritmo no corpo. Não há vergonha de dançar e subir ao palco, mas depressa todos são mandados pela Filha da Mãe para o chão. 

Aquele é o palco onde atuam todas as sextas-feiras ao ritmo das maiores estrelas da pop, mas as verdadeiras estrelas são eles (ou elas), o género não importa. Porque, afinal, aqui não há limites. A noite no Trumps é para «esqueceres tudo o que conheces». 

Texto: Mariana de Almeida; Fotos: DR; Imagem: Fábio Lopes; Edição: Shauna Ashley

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