Nacional
Tragédia Do Meco

«Eu como mãe já estava descansada, ele já estava bem encaminhado na vida»

Ter, 14/01/2020 - 18:20

Fátima Negrão, progenitora de Pedro, um dos seis jovens que morreram no mar do Meco durante uma praxe na noite de 15 de dezembro de 2013, insiste que quer falar com o dux, o único sobrevivente da tragédia.

Fátima Negrão, mãe de Pedro Negrão, um dos seis jovens que morreram no mar do Meco numa praxe da faculdade, na madrugada de 15 de dezembro de 2013, continua a dizer que «enquanto o dux Gouveia não lhe responder às dúvidas», não «vai ficar de braços cruzados».

Passados seis anos da morte do seu filho Pedro, no mar do Meco, devido a uma praxe académica, como está a sua vida?

A minha vida nunca mais vai ser a mesma. O tempo vai passando e, no meu caso, os dias são cada vez mais difíceis. O Pedro está sempre presente no meu pensamento e cada vez mais o sentimento e a saudade vão sendo maiores e mais difíceis de lidar. Tento passar o maior tempo possível acompanhada ou ocupada e distraída para me alienar um pouco da presença do Pedro nas minhas memórias, no meu pensamento, porque tudo me faz lembrar o meu filho.

Em termos emocionais, tento o mais possível estar ocupada, para ser menos doloroso esse estado. Por outro lado, estar em convívio com pessoas ou estar na rua ou outra situação onde estejam jovens parecidos com o Pedro...fica muito complicado para mim porque até as lágrimas me vêm aos olhos. É mais forte que eu, não consigo conter. De repente, o Pedro desapareceu, sei que não o vou mais voltar a ver, é tão complicado.

Consegue imaginar o Pedro além das memórias que lhe ficaram dele antes da tragédia?

A memória do Pedro, o que ficou, é ele com 24 anos. Quando estou na rua ou noutro lado qualquer e vejo algum jovem que me faz lembrar o meu filho, é ele já com 30 anos, pois o Pedro faria este ano essa idade. Mas na nossa memória visual só existe realmente o Pedro até aos 24 anos, altura em que desapareceu no mar, é a última imagem que temos dele e vai ficar comigo até ao resto dos meus dias.

Como mãe, do que mais tem saudades?

O Pedro esteve mais anos comigo, foi um convívio mais direto, porque o meu outro filho mais velho, o Tiago, foi para Inglaterra mais novo. O Pedro tinha mais semelhanças comigo, era alegre, extrovertido, bom rapaz, tinha uma ligação mais presente, qualquer coisa que precisasse sabia que podia contar com a mãe, tinha em mim a sua maior aliada. Tenho saudades do Pedro ainda estar em casa aos 24 anos, embora já tivesse a vida dele, já trabalhava e já tinha praticamente terminado a faculdade.

Eu como mãe já estava descansada, ele já estava bem encaminhado na vida, com o seu projeto, tinha namorada e já estava a pensar ter uma casa para viver com ela. E as minhas saudades são do sorriso dele, do que me dizia, de tudo, de tudo...

Já desistiu de lutar por justiça? Ainda acredita que João Gouveia, o dux, o único sobrevivente da tragédia, deve conversar com os pais e explicar-lhes o que aconteceu naquela noite na praia?

Em julho fizemos contacto com o Tribunal de Setúbal e os pais foram chamados para nos dizerem que os seis processos estavam entregues a quatro juízes, mas que iam ser reduzidos a três e seriam redistribuídos. Estamos à espera de notícias sobre diligências marcadas. Ainda não há nada sobre o início do julgamento em que o João Gouveia vai ser ouvido. As respostas dele vão servir para os seis processos.

O que é que os pais pedem nesses processos?

Queremos ouvir o João em julgamento a responder a todas as dúvidas e questões que temos sobre aquela noite. Ele já podia ter respondido, mas ainda não o fez. Há muita contradição e não chegamos a conclusão nenhuma. Não queremos que aconteça nada ao João, só queremos que nos responda, ele que me diga o que aconteceu com o meu Pedro. Enquanto eu não o ouvir, não aceito ficar de braços cruzados.

Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condena Estado a pagar indminização

á passaram seis anos, mas só agora os pais das vítimas começam a obter respostas. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) considerou que a investigação à tragédia ocorrida na praia do Meco, a 15 de dezembro de 2013, onde morreram seis alunos da Universidade Lusófona, não respeitou as regras da Convenção Europeia e foi «ineficaz».

De acordo com o Jornal de Notícias, que cita o TEDH, a investigação começou demasiado tarde, não assegurando a integridade das provas nem tão pouco tendo o cuidado de garantir a recolha imediata de vários testemunhos importantes.

Assim, o Tribunal condenou o Estado português ao pagamento de uma indemnização de 13 mil euros a José Carlos Soares Campos, pai de Tiago Santos, jovem de 21 anos que foi arrastado por uma onda no areal da praia do Meco quando estava a ser praxado. O pai de Tiago Santos recorreu ao TEDH depois dos tribunais portugueses terem decidido arquivar o caso com a alegação de que não foi cometido qualquer crime naquela noite.

Texto: Alexandra Ferreira; Fotos: Impala

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