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Testemunho real

«Perdi o meu marido uma semana depois de ser mãe e rejeitei o meu filho»

Ter, 04/08/2020 - 23:00

Um desabafo a não perder.

Não desejo a ninguém. Não desejo mesmo a ninguém passar por tudo aquilo que passei… Já passaram 30 anos, mas a minha memória não falha. Cada momento, cada grito, cada lágrima…

Tive um casamento feliz. Viajei muito, namorei e curti a vida como muitos não o fazem. Casei-me com o meu melhor amigo de infância. Desse amor nasceu o nosso rebento. Vivi uma gravidez plena de felicidade e harmonia. No fundo tinha a vida que sempre desejei. Ser feliz e mais nada.

Até que o destino (se é que ele existe) me levou o homem da minha vida num acidente aparatoso de mota. Teve morte imediata. Tinha sido mãe há uma semana. O nosso filho tinha sete dias… Sete dias! Ninguém me queria dar a notícia. Mas eu tinha de o saber. Da pior forma. «Raquel, sinto muito… Foste mãe há tão pouco tempo! É uma tristeza tão grande… Era muito bom homem…» Aquele telefonema deixou-me apática. Desmaiei e não me lembro de mais nada, apesar de ter acordado aos berros na ambulância. Sedaram-me. Só chamava por ele. Nunca mais me lembrei do meu bebé. Do nosso bebé.

A partir daí vivi numa bolha onde só estava eu. Rejeitei o nosso filho devido à depressão profunda. Não queria psicólogos, não queria ver ninguém, nada! Só queria o homem que sempre me amou, que foi o meu companheiro durante toda a vida, que esteve sempre ao meu lado nos bons e maus momentos, que me fez juras de amor eterno… Porquê? Porquê meu Deus?

Demorei três meses para voltar a olhar para o meu filho. Foi a minha mãe e a minha irmã que cuidaram dele nos seus primeiros três meses de vida. Não amamentei, não dei colo nem carinho, no fundo não fui a mãe que ele merecia. Sem culpa nenhuma.

Sei que já me perdoou. Já é adulto, deu-me um neto e voltei a sentir uma felicidade interior que há muito não sentia. Dizem que os netos rejuvenescem uma pessoa e é verdade.

Apesar de tudo, sinto que o meu marido está sempre ao nosso lado. Sempre ali a proteger-nos. E o melhor que o meu filho me deu? Batizá-lo com o nome do avô…

 

Texto: Raquel Pereira no site Crescer, do grupo Impala

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