Nacional
Sofrimento sem fim

Casal perde menino de 6 meses e deixa recado aos pais da bebé Matilde

Qua, 03/07/2019 - 21:40

Rui e Anabela, que perderam o bebé Guilherme, de seis anos, sabem «o que é estar no lugar» dos pais de Matilde e dos outros pais dos oito bebés com Atrofia Muscular Espinhal em Portugal

Em 2017, o mundo de Rui e Anabela desabou. Perderam o filho, Guilherme, que tinha apenas seis meses e sofria de Atrofia Muscular Espinhal, Tipo 1. Esta é exatamente a mesma doença de Matilde, de dois meses, a menina que uniu Portugal e que conseguiu, em cerca de uma semana, angariar mais de dois milhões de euros para o único medicamento (que só existe nos EUA) que lhe pode salvar a vida.

Esta quarta-feira, Rui e Anabela estiveram n’O Programa da Cristina, da SIC, e quiseram deixar um recado aos pais de Matilde e dos outros oito bebés em Portugal que sofrem da mesma doença degenerativa neuromuscular. «Mais do que uma doença, a Matilde é o símbolo de uma solução», disse o pai. «Queremos deixar muita força aos pais da Matilde. Nós sabemos o que é estar no lugar deles», referiu.

«O olhar da Matilde é o olhar do Guilherme»

«Temos plena consciência que a Matilde está a ser bem cuidada, que está a receber tudo o que é possível dar-lhe neste país e que, por comparação com outros sistemas nacionais de saúde, Portugal está muito à frente», acrescentou Rui.

Emocionada, Anabela confessou que «o olhar da Matilde é o olhar do Guilherme». «É o mesmo. Transmite tanta coisa…», desabafou.

Este pai também escreveu uma carta simplesmente comovente sobre a bebé Matilde. Leia seguidamente:

«Todas as pessoas que me conhecem a mim e à Anabela e conheceram ou ouviram falar do nosso filho Guilherme já se devem ter questionado sobre as semelhanças entre ele e a Matilde.

Mais do que qualquer semelhança é exactamente a mesma doença, (Atrofia Muscular Espinhal), com a mesma gravidade, tratado no mesmo hospital pelos mesmos especialistas e como tal não podia deixar de sentir este caso de forma especial, sobretudo porque ainda há 2 anos éramos eu e a Anabela a estar exactamente no mesmo lugar destes pais e o Guilherme a ocupar o lugar da Matilde.

Gostava, antes de mais, de esclarecer alguma desinformação sobre a medicação existente para tratar AME e sobre o SNS que tem sido partilhada pelas redes sociais (mesmo por pessoas “influentes”) à medida que este caso tem sido divulgado:

1 – Existem actualmente 2 medicamentos aprovados pela FDA (Agencia de medicamentos norte americana) capazes de tratar esta doença (Zolgensma e Spinraza) mas apenas o Spinraza (que foi aprovado no final de 2016) foi aprovado pela EMA (Agencia de medicamentos Europeia).

2 – Assim que o Spinraza foi aprovado pela EMA, Portugal foi dos primeiros países a fornecer este medicamento aos doentes, inicialmente aos de tipo 1 (fatal nos primeiros meses de vida), mas logo de seguida a todos os tipos menos graves.

3 – Apesar do Spinraza apenas ter sido aprovado em Dezembro 2016 e o Guilherme ter nascido em Março de 2017, ele teve acesso a este medicamento logo aos 4 meses de vida, em Julho de 2017, apesar de ainda nao ter sido aprovado na Europa, por doação da empresa que o fabricou. Só para terem uma noção, este medicamento custa $750.000 no primeiro ano e $250.000 em todos os seguintes até ao final da vida dado que funciona como insulina para os diabéticos, fornece uma proteína que o corpo nao consegue produzir. A Matilde tem acesso a este medicamento e vai começar a toma-lo já daqui a pouco tempo. Este medicamento é administrado por injecção directamente na coluna.

4 – O Zolgensma é uma revolução.

De todos os medicamentos actualmente a serem testados foi o único que se propôs como sendo uma cura (os outros apenas atrasam a progressão da doença), um verdadeiro milagre não só para tratar esta doença mas muitas outras. Basta uma injecção e está feito.

Há 2 anos o Guilherme não teve acesso porque apenas haviam programas de testes nos EUA e porque o Spinraza estava aprovado e era a melhor garantia.

É verdade que custa quase $2.000.000, mas feitas as contas fica muito mais em conta do que o Spinraza que tem de ser tomado durante toda a vida. Além disso acredito que este preço é temporário porque assim que acordos começarem a ser feitos com vários governos o preço irá baixar drasticamente. É uma questão de esperar mais alguns meses e tenho a certeza que estará disponível no SNS, tal como o Spinraza.

5 – O problema é que 1 mês faz toda a diferença para as crianças com esta patologia pois os músculos começam a enfraquecer e depois é tarde demais para qualquer medicação fazer efeito. É por isso que os pais da Matilde estão a lutar. Porque na altura que ficar disponível poderá ser tarde demais. Nós teríamos feito exactamente o mesmo se houvesse possibilidade na altura e é por isso que incito toda a gente a ajudar.

Por isso a todas as pessoas que têm dito que o SNS “é uma vergonha” sugiro que façam uma pequena investigação no Google antes de darem a sua opinião. Descubram como em países tão desenvolvidos como Inglaterra, nem o Spinraza está disponível quanto mais o Zolgensma. Além disso, o Estado não pode financiar um medicamento que ainda não foi aprovado na Europa.

Infelizmente o Guilherme já está junto de Deus mas eu, pessoalmente, tenho muito orgulho em tudo o que o SNS fez por nós e pelo Guilherme. Pelos excelentes profissionais que nos acompanharam do início ao fim e sobretudo por estar na vanguarda na protecção da vida e de cidadãos tão específicos como nós.

Tenho a certeza que tratarão da Matilde da mesma forma»

Texto: Ana Filipe Silveira; Fotos: Impala e reprodução Instagram

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