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«Os homens não querem que seja Natal todos dias»

André Couto comenta a época natalícia e os gestos de «caridade» dos portugueses

Qui, 27/12/2018 - 14:49

Leia o artigo de opinião assinado por André Couto

Artigo de opinião

Por André Couto, Presidente da Junta de Freguesia de Campolide

O Natal é o tempo em que pensamos nos que precisam. É a época em que as luzes iluminam as ruas e em que os corações se cobrem de caridade por quem não tem uma ceia como a nossa. Esta podia ser uma introdução bonita, mas não é, porque quem precisa tanto necessita no mais iluminado Natal, como na mais quente tarde de verão, quando estamos a banhos e só nos lembramos de sol e praia.

Por isso decidi refletir sobre solidariedade e caridade. Aparentemente sinónimos, estas palavras têm significados distintos. Diz-nos a Porto Editora que solidariedade é a «responsabilidade recíproca entre elementos de um grupo social» e que caridade é «esmola, compaixão e bondade». Ficam as primeiras palavras: solidariedade é responsabilidade, caridade é esmola.

Nesta altura surge a habitual glorificação da caridade, daqueles que destacam o altruísmo das suas ações e de como esse papel é importante na sociedade, muitas vezes disfarçando com engenho campanhas publicitárias subliminares. Geralmente, são os mesmos que criticam a Segurança Social. Sem colocar em causa a relevância da caridade, desconfio muito desta abordagem. 

Solidariedade social é responsabilidade coletiva e tem regras. É um direito que nos assiste, se dela precisarmos, porque descontámos para um dia nós, ou outros, se necessitados, podermos ser apoiados. É precisarmos e recebermos algo que também é nosso. É um mecanismo de segurança e de justiça através do qual todos nos podemos sentir seguros perante uma crise pessoal. É uma forma do Estado cumprir uma das suas missões: a redistribuição da riqueza, para que a distância entre o mais rico e o mais pobre de nós não seja demasiada, para que vivamos mais coesos numa sociedade em que ninguém fica para trás.

Já a caridade tem hierarquia porque é oferecida e não é um direito. Vem de cima para baixo. É arbitrária porque não é certa, nem previsível, e nada garante que chega a todos os que precisam, numa medida justa ou previsível entre todos os que recebem. Reconheço, apesar disto, uma enorme virtude à caridade, que faz toda a diferença: tem coração, sentimento e alma e para quem precisa o alimento do espírito é tão importante como o alimento do corpo. A caridade deve ser um reforço da solidariedade, um calor, um toque e um rosto humano, contrastando com a frieza do Estado burocrático que apenas cumpre uma função.

Deve ser a solidariedade, esse contrato que nos une enquanto cidadãos da mesma República, a assegurar que temos oportunidades iguais para nos realizarmos enquanto pessoas e que há uma rede que nos segura se não as conseguirmos agarrar. Por isso, a Segurança Social não pode ser enfraquecida, a bem da tranquilidade do povo que nela confia, e porque os homens não querem que seja Natal todos os dias.

André Couto
Presidente da Junta de Freguesia de Campolide
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