Nacional
O passado dramático de Gonçalo Costa

«Disseram-me: 'Grita que és paneleiro, se não vou-te mandar para a linha e vais morrer'»

Qua, 20/02/2019 - 18:20

Gonçalo Costa tem 21 anos e foi um dos concorrentes de First Dates. O jovem, que esteve envolvido na polémica do cão e já pagou pelo erro, tem um passado dramático

Gonçalo Costa tem apenas 21 anos, mas uma história de vida que dará um livro. O jovem participou no First Dates e teve um encontro com João. Ficaram amigos e tudo correu bem, mas a produtora do programa disse à Imprensa que não imaginava o passado polémico do concorrente. 

Em 2016, Gonçalo era conhecido por Carter e publicou um vídeo nas redes sociais, onde ameaçou mandar o próprio cão pela janela. O momento tornou-se viral e levou-o a tribunal. Pagou pelo erro. Refez a sua vida e, agora, é gerente de pastelaria. Gonçalo Costa conta, em exclusivo à Nova Gente, a história de vida dramática.

O que é que o levou a participar no Firt Dates? Foi à procura do amor?

Atualmente estou solteiro. Já tive duas relações duradouras, mas não deram certo. Como vi o programa, tive curiosidade. Fui pela experiência e para conhecer alguém. Também sabia que, ao participar no programa, ia conhecer alguém com a mesma orientação sexual que eu e provavelmente iríamos tocar no tema da homofobia e do preconceito. Sabia que íamos poder partilhar a nossa história e dar o exemplo. O preconceito está em todo o lado e no nosso País dizem que está melhor, mas não está.

Quis dar o exemplo?

É uma coisa de que se tem de falar. Para saber das coisas temos de ouvir falar delas. Temos de ter testemunhos, saber histórias, ter alguma coisa para saber o que é. Já tinham existido casais homossexuais, mas pelas mensagens que tenho recebido dizem que nós fomos os mais marcantes. Sentiram-nos mais à vontade, sem nenhum problema em estar ali.

O Gonçalo e o João estavam muito descontraídos durante o encontro, mesmo estando à frente de várias câmaras…

Muita gente pergunta se aquilo é manipulado. As câmaras nem se veem, como se fosse um reality show. Nem notamos que são câmaras. Eu seja em que situação da minha vida for, eu sou sempre o mesmo. Foi só entrar. A única coisa diferente é que tinha a Fátima Lopes e Ruben Rua. A produção foi cinco estrelas e aconselho qualquer pessoa a participar. Eu gostei.

«Vamos ter um segundo encontro em março, no Douro»

O que é que achou do João, o match encontrado para si?

Quando cheguei, olhei para ver quem era o rapaz. Fisicamente não era aquilo que eu estava à procura. Nós temos sempre os nossos requisitos. Mas mal me sentei e comecei a falar com ele, gostei da forma como ele falou. Ele é mesmo assim. Ali e fora dali. É muito carinhoso e isso conta muito. Na procura de conhecer alguém não tem de ser propriamente para conhecer alguém. Uma amizade já chega na minha opinião. Pedi à produção que gostava de alguém que soubesse ter uma conversa, que tivesse conteúdo, e acertaram. O João realmente tem essas características. 

No final ambos disseram que queriam ter um segundo encontro, já aconteceu? Têm falado?

Eu e o João combinámos que não íamos dizer a ninguém, que ia ser surpresa. Nós não estamos juntos. Há muita gente que pensa que estamos a namorar. Somos bons amigos, falamos todos os dias. Estamos a conhecer-nos, mas nós trabalhamos muito. Eu trabalho durante o dia, o João trabalha mais à tarde e à noite. Então não temos o tempo que queríamos para desenvolver algo. Ele é do Algarve, eu sou de Lisboa. Mas já estamos a tratar e vamos ter um segundo encontro em março, no Douro. Vamos registar alguns momentos. A comunidade LGBT que viu e que segue quer saber mais, como é que correu. Até porque o João já me mandou uma prenda para o meu trabalho e tudo. As pessoas têm muita curiosidade. 

«Não tenho contacto com o meu pai, porque me abandonou quando eu era mais novo»

Como é que a sua família reagiu à participação?

Eu só contei à minha mãe. Só contei à minha mãe um dia antes de ir gravar o programa. A minha mãe apoia-me em tudo. Seja bom ou mau. Eu disse-lhe que ia participar no programa da Fátima Lopes, ela sabe que eu estou solteiro. Tenho a sorte de a minha família materna me apoiar na minha orientação sexual e nas minhas escolhas. A minha família paterna é mais reservada. Eu não tenho contacto com o meu pai, porque me abandonou quando eu era mais novo. 

O que é que aconteceu com o seu pai?

Isso é uma coisa que me provoca angústia e tristeza. Nunca pude falar com o meu pai sobre aquilo que me faz feliz. Acho que os pais só querem ver os filhos e eu ser assim é a maneira como eu sou feliz e não escolhi. Eu tive de aceitar que o meu pai me abandonou, ele também vai ter de aceitar a forma como eu sou. Não sei o que é que a vida me reserva em termos de relação com ele e com a minha família paterna, que são pessoas de quem eu gosto muito, mas como são mais reservados e moram no Norte… Esta história de eu gostar de homens e ter alguma exposição nunca gostaram muito. Então decidiram afastar-se um bocadinho. Eu respeito isso. Não guardo mágoa, mas fico triste porque é a minha família e eu gostava de me relacionar com eles.  

«Vinha da escola para tomar conta do meu pai»

O Gonçalo não fala mesmo com o seu pai atualmente?

Não, não. Eu já tinha ido à Fátima Lopes, em 2016, à procura dele. O meu pai teve um acidente e ficou numa cadeira de rodas. Quando ele saiu do hospital, o meu pai e a minha mãe ficaram juntos  e vivíamos todos juntos com o meu irmão. Quando eu tinha oito ou nove anos, eu fui um mini enfermeiro. Cuidei do meu pai. Vinha da escola para tomar conta do meu pai, para tratar daquelas coisas que são precisas para alguém que está na situação dele. Desde fazer o esvaziamento, da algálias, dos lanches, do tomar banho… Qualquer coisa. Ele precisava de ajuda e a minha mãe tinha de trabalhar. Passado uns anos, ele teve uma infeção urinária e conheceu uma enfermeira no hospital. Ficaram juntos, mesmo ele estando de cadeira de rodas. Senti que ele destruiu um bocadinho a nossa família e afastámo-nos. Entretanto a rapariga deixou-o e ele ficou sozinho. Houve um dia em que entregou a casa, vendeu o carro e desapareceu. 

Durante o encontro, o Gonçalo falou também de um livro sobre preconceito e a sua história de vida, que está a escrever. Como é que está a correr?

O livro já está a meio. É uma coisa que eu quero muito. Há uns anos não sabia bem sobre o que seria, mas agora tenho a certeza. Como trabalho muito, às vezes não tenho o tempo que eu queria para o escrever. Mas tenho sempre um tempinho e sempre que tenho aproveito para o escrever. É fácil porque é sobre mim. É só ir escrevendo. Vai ser uma história sobre a minha vida, um testemunho, em relação à sexualidade, à homofobia e ao preconceito. Vai ter testemunhos de pessoas que estão ligadas a mim. Explico como é que contei, como é que foi a relação. Como é que começaram a aceitar e conto alguns episódios de homofobia que sofri na escola que ninguém sabe.

«Disseram-me: 'Grita que és paneleiro, se não vou-te mandar para a linha e vais morrer'»

Falou sobre o livro com a Fátima Lopes durante o programa?

O João foi à casa de banho e a Fátima Lopes sentou-se à mesa comigo. Eu contei-lhe e ela quase chorou à minha frente. Até se arrepiou. Disse-lhe que lhe agradecia a oportunidade e que gostava de ir ao programa dela já com o livro, com mais conteúdo para falar. Eu não vou escrever o livro para ficar milionário. Os livros vão ser vendidos, mas o meu objetivo principal é a história que está lá dentro. É bom que as pessoas percebam que, para acontecer o que me aconteceu a mim, é porque está a haver falha dos pais. Na escola somos muito cruéis, egoístas. Não pensamos antes de agir. Mas se a nossa educação for usada, soubermos respeitar o espaço dos outros… Houve coisas que me aconteceram.

Era uma altura em que chovia muito, queríamos era sair da escola e ir rápido para casa. Eu apanhava o metro para ir para casa. Houve um dia em que os mais velhos, os 'mauzões' da escola, estavam no metro. Faltavam quatro minutos e pouco para o metro. Eles começaram com as piadinhas, os calduços. Eu levantei-me porque entretanto já só faltava um minuto para o metro vir e eles chegam-se ao pé de mim, agarram-me pelos braços e metem-me depois da linha amarela (de segurança). Pegaram em mim e meteram-me no ar e disseram: 'Grita que és paneleiro, se não vou-te mandar para a linha e vais morrer'. Eu era um. Eles eram seis. Portanto eu tinha de fazer o que eles mandavam. Ficar em pânico na minha adolescência só por gostar de pessoas e por haver pessoas que não respeitam, digo que os pais dão educação mas os filhos não a sabem usar. 

A sua mãe tem conhecimento destes momentos difíceis?

Eu não contei, porque sei que os pais sofrem muito. Eu sempre preferi não contar. Uma vez mandaram-me para uma poça de lama. Cheguei a casa todo sujo e disse à minha mãe que ia a correr para apanhar transporte para casa e que cai. Saia da aula para ir à casa de banho e eles estavam na casa de banho a fumar cigarros e ganzas. Obrigavam-me a bater em mim próprio, chegaram-me a apagar cigarros nos braços. Eu era um miúdo e guardava tudo para mim. Se calhar fui mais revoltado por causa disso. Eu era muito bom aluno, mas era muito revoltado. Se tivesse de responder, respondia. O que me fazia era eu ser julgado e mal tratado por gostar de pessoas. 

«Queria contar, mas não ganhava coragem»

E agora sente que é altura para partilhar essas histórias com o mundo? 

Eu recebo mensagens com histórias e, inclusivamente, o meu date no programa foi expulso de casa às 4h00 quando a mãe soube. A minha mãe também idealizou que eu ia casar e ter filhos, mas isso tudo pode acontecer e vai acontecer. Não tem nada a ver se é com um homem ou uma mulher. A minha mãe sempre respeitou as minhas relações, o meu namorado vinha cá a casa, dormia cá. Eles davam-se muito bem. Não foi fácil na altura em que contei. Queria contar, mas não ganhava coragem. Mas sabia que estava a mentir. Perguntavam-me por namoradas e eu não dizia a verdade. Até que um dia enviei uma mensagem, ela não gostou. Sentiu-se mal no trabalho e tudo. Mas depois tivemos uma conversa e aceitou, respeitou e esteve sempre comigo. Tenho pena de não poder fazer isso com o meu pai. 

Acha que o facto de ter aparecido na televisão pode ajudá-lo a reencontrar o seu pai?

O meu pai é muito como a família dele. São muito reservados. Eu consigo pôr-me nos dois lados, mas o de filho fala sempre mais alto. O meu pai é muito novo e teve o acidente muito novo. Agora tem 43 anos. Eu tinha quatro ou cinco anos quando ele teve o acidente. Ele já se tentou suicidar e tudo. O meu pai não pode ser pai a part-time. Não pode ser pai e depois dizer que se acabou o nosso contrato. Eu sigo a minha vida, tu segues a tua. O meu padrasto é que tem sido o meu pai. A minha mãe tem marido, está casada e refez a vida dela. O meu padrasto trata-me super bem. Aceitou-me mesmo na vida dele como filho dele. Quando eu preciso dele, ele está lá. 

O Gonçalo é muito ativo nas redes sociais e até tem publicações muito ousadas. Qual é o objetivo?

Sempre tive redes sociais. Há uns anos, quando o Facebook estava muito na moda, eu fazia vídeos de autoajuda. Tinha muitos 'gostos' e seguidores. Falavam de preconceito, de respeitar os outros. Até cheguei a ir à televisão falar sobre o assunto. Eu ia fazendo mais, mais e mais. E os seguidores foram sempre aumentando. Eu era um miúdo, estava deslumbrado com aquilo. Eu até era patrocinado por marcas de roupa, recebia roupa, bonés, ténis… E eu usava as redes sociais como um hobbie. Eu fazia o que gostava, as pessoas davam a opinião delas, tinha atenção. O tempo foi passando e até usei as redes sociais de uma forma errada. Admito. Agora o meu objetivo é o mesmo do que qualquer jovem. Sei que tenho alguma influência, mas não uso dessa forma.

Sobre a polémica com o cão: «Eu quis chamar a atenção»

O Gonçalo falou da fase pior nas redes sociais. Ontem saíram algumas notícias a dizer que a produção do programa, se soubesse que o Gonçalo tinha estado ligado à polémica do cão, provavelmente não teria aceitado a participação no programa. Como é que reagiu?

Houve uma altura da minha vida em que eu não estava a estudar nem a trabalhar. Sentia-me sozinho. O meu pai tinha desaparecido, tinha sofrido de homofobia… E isto não é fazer-me de coitadinho, nem tirar as culpas a nada. Mas o que aconteceu foi que eu quis chamar a atenção. Era um miúdo com muitos seguidores e o que eu quis fazer foi chamar a atenção. Era nas minhas redes sociais. Não pensei ir para a televisão nem sofrer o que sofri. O que eu quis foi dizer 'se tiver 10 mil  likes atiro o meu cão da janela'. Eu ameacei fazer, nunca o fiz. 

Fui a tribunal e fui condenado por difundir imagens a incentivar maus-tratos a animais. Foi provado pelas equipas de veterinários que o animal estava bem tratado. Eu sei que errei, mas fui homem para ir a tribunal e assumir o meu erro. Fui homem para estar a trabalhar e quis pagar pelo meu erro. Foi o que eu fiz. Sei que foi errado. Eu gosto de animais. E há muita gente que não gosta de animais, não gosta de gays, não gosta da Cristina Ferreira, não gosta do Cristiano Ronaldo, não gosta de pessoas deficientes. Agora, não é julgar as pessoas que cometeram um erro. O objetivo da justiça é julgar as pessoas e elas terem direito a segundas oportunidades. 

«Estive seis meses fechado em casa»

Agora finalmente consegue encerrar este capítulo. Arrepende-se?

Não tenho orgulho nenhum e não quero que nenhum jovem tenha a atitude que eu tive. Eu era um miúdo e quis chamar a atenção. Não tenho vergonha nenhuma de dizer isso. Claro que não tenho orgulho, mas não tenho problema nenhum em contar a verdade. Como eu tinha muitos seguidores, andaram a fazer contas falsas e publicações falsas, que ficaram provadas em tribunal. Fui acusado de violar animais, por amor de Deus. Eu tenho família, as pessoas pedem justiça e a justiça foi feita. Eu não sou um miúdo que está a viver à custa dos pais ou do desemprego, eu trabalho todos os dias. Sou adulto, tenho responsabilidade no meu trabalho, sou um cidadão como os outros. Quando errei tive medo. Estive seis medos fechado em casa. A minha família foi ameaçada. Eu levei um tareão na rua. Eu sofri, mas já chega. 

Como olha para o futuro? Quer continuar a trabalhar na área da pastelaria?

Irei continuar no meu trabalho. Tenho contas para pagar. Estou a tirar a carta, quero ter o meu carro. Agora, ainda vivo com a minha mãe. Quero lançar o meu livro, porque sei que vai ajudar muita gente. Vou continuar no meu trabalho, porque é um trabalho fixo, estou efetivo. Gostam do meu trabalho, gosto da empresa. Não sei se no futuro pode aparecer alguma oportunidade. Tenho uma história de vida e adoro conhecer pessoas. Se algum dia me aparecer uma oportunidade, em que eu possa participar, sei que depois destas coisas todas já faltou mais. 

Refere-se a um reality show?

Sim. Acho que a vida é tão pequenina e estes assuntos em que se perde tempo atrás do computador a desejar a morte a pessoas. Mais valia tentar ajudar alguém e ter novas experiências na vida. E se eu tiver oportunidade de ir para algum tipo de programa irei mostrar às pessoas. Nada melhor do que as pessoas verem, 24 sob 24 horas, o que eu sou. Do que estarem a tirar conclusões precipitadas. 

Texto: Mariana de Almeida; Fotos: Reprodução Instagram

Siga a Nova Gente no Instagram