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Nicolau Breyner morreu há cinco anos

Viúva do ator tem medo que se esqueçam dele

Dom, 14/03/2021 - 10:10

Nicolau Breyner morreu a 14 de março de 2016. Mafalda Bessa, Herman José, Nuno Santos e Manuel Cavaco recordam o ator com saudade e falam da sua importância no mundo da televisão.

Nicolau Breyner morreu triste. Meses antes de perder a vida, a 14 de março de 2016 na sequência de um ataque cardíaco, o ator, produtor, realizador e argumentista andava desanimado com o mundo da ficção portuguesa, que “já nessa altura achava que era uma fábrica”. Quem o diz é Mafalda Bessa, com quem Nico, como era carinhosamente tratado, se casou em 2006. 

“Se ele ainda fosse vivo, acho que, por um lado, iria estar satisfeito com todos os avanços tecnológicos. Mas, por outro, ia continuar a achar que tudo funciona como se fosse uma fábrica. E seria muito crítico, mas sempre discreto, em relação ao tema da cultura em geral e à maneira como o nosso Governo a gere”, acredita. 

Em declarações à NOVA GENTE, a produtora da série “Os Compadres”, da RTP1, frisa que Nicolau Breyner sempre tentou “fazer alguma coisa para ajudar” a tornar extraordinários os projetos em que se inseria. “Lembro-me de ele afirmar que tudo tinha uma razão de ser, desde os cenários até às luzes. Ele entendia como se faziam as coisas, entendia a importância dos detalhes, e tentava explicar o que se podia melhorar. Estava sempre preocupado nesse aspeto. Só nos últimos tempos, antes de morrer, é que o ouvi referir que já estava velho e não tinha mais paciência para tentar mudar as coisas”, lamenta.

São as gerações seguintes à dele - Breyner tinha 75 anos quando morreu - que têm o “fardo” de dar seguimento ao trabalho desenvolvido por aquela que foi uma das figuras mais importantes do mundo televisivo. Mafalda Bessa receia que, com o avançar dos anos, o homem que foi a grande paixão da sua vida “caia no esquecimento”. “Claro que isto é possível. Se os miúdos não sabem o que é o 25 de Abril... É preciso falar sobre o Nico, não é só a RTP Memória passar as coisas que ele fez. É preciso haver quem continue a dar-lhe importância”, atira.

Herman José e Nuno Santos recordam Nicolau

Herman José, um dos amigos mais próximos de Nicolau Breyner - a parceria começou em 1975 com as personagens Sr. Feliz e Sr. Contente do programa “Nicolau no País das Maravilhas” - salienta que o colega deixou as “portas abertas à inovação, à modernidade, à imaginação e, sobretudo, às boas-práticas''. 

“Falamos de um gentleman, cujo caminho foi sempre feito na bondade, na entreajuda e na construção, e nunca na ‘velha’ arte de enfraquecer a concorrência para ganhar um lugar ao sol”, acrescenta Herman, não duvidando que os jovens talentos que transbordam do mundo vão “potenciar todos os muitos feitos artísticos que homens como o Nicolau conquistaram a pulso”.

Nuno Santos afina pelo mesmo diapasão: “O Nicolau foi um pioneiro e, nesse sentido, todos lhe devemos bastante. Porque ele ajudou a construir esta indústria nas suas múltiplas dimensões. Foi não apenas ator, foi realizador, produtor, esteve na origem da ‘fábrica’”, proclama o Diretor-Geral da TVI, canal para o qual Nico gravava a novela “A Impostora” quando morreu

“Hoje temos uma indústria madura, capaz de criar produtos de grande qualidade, com enorme aceitação do público, premiados internacionalmente e tem havido uma permanente renovação geracional. Novos atores, produtores, guionistas, trabalham e aprendem com os mais velhos. Acho que ele gostaria de ver o seu legado”, completa Nuno Santos, que retém de Nicolau uma “grande generosidade e capacidade de entrega”. “Ele tinha um saber que não queria guardar para ele, queria que fosse de todos. É essa a história da sua vida, a história de um homem sem idade. Nunca saberemos ao certo com que idade partiu. Se é que partiu”, termina.

Manuel Cavaco: "Ele é o pai do audiovisual"

Também Manuel Cavaco, de 76 anos, se cruzou com Nico. “Mais do que o pai das novelas, ele é o pai do audiovisual. Tinha uma vontade indomável de implementar o género em Portugal e, com o António Parente e o José Eduardo Moniz, formaram um trio sem igual”, diz-nos o ator, referindo que os “novos hábitos” que se criaram entretanto são apenas “diferentes” dos antigos. 

“Não são melhores nem piores, são diferentes. Nos bons velhos tempos, o autor ainda exigia, ainda funcionava. Evolui-se do ponto de vista da técnica, da representação, mas não se evoluiu do ponto de vista da dramaturgia, da história e dos conteúdos”, atira o intérprete de “Amor Amor”, da SIC. “Só não acredito que as novas gerações estejam cientes do legado do Nicolau. É uma coisa dos mais velhos”, ri-se Manuel Cavaco.

É precisamente para estes que Mafalda Bessa atira a “culpa”, diz, da falta de memória dos mais novos relativamente àquele que foi o criador, ao lado de Francisco Nicholson, da primeira novela portuguesa (“Vila Faia”, de 1982). “Se não falarmos, claro que vai ser esquecido”, volta a realçar. E, em jeito de remate, confessa: “O Nico acreditava em pessoas, mas não acreditava na Humanidade. Dizia que o ser humano é mau por natureza. Eu sempre achei o contrário, mas, agora, tenho vindo a perceber que somos todos egoístas e interesseiros. Se calhar, ele tinha mesmo razão”.

Texto: Ana Filipe Silveira; Fotos: Impala

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