Nacional
José Carlos Pereira

Não esquece erros do passado: «Não tive maturidade emocional para saber lidar com o sucesso»

Ter, 05/02/2019 - 21:00

José Carlos Pereira tem uma nova vida mas não esquece os erros do passado e o vício que o levou a ser internado por duas vezes.

José Carlos Pereira viveu os últimos 20 anos ligado ao mundo da representação. Mas decidiu virar a página em relação à forma como estava no mundo. Zeca é agora médico e vive uma vida muito mais tranquila. Contudo, não esquece a vida atribulada e o passado que o levou à adição e a ser internado numa clínica de reabilitação por duas vezes.

Numa conversa intimista e franca com Júlia Pinheiro, na SIC, José Carlos Pereira assume os erros do passado e mostra-se um homem mudado. As culpas para os erros estão no facto de não estar preparado para tanto mediatismo, quando se tornou numa estrela ao ser convidado para protagonista na novela Anjo Selvagem, em 2001.

«Passamos a ser o centro das atenções e há muitas solicitações e no meio de tudo isto eu tentava fazer tudo, e o curso ao mesmo tempo. Foi demasiado eu tentar ir a tudo e mais alguma coisa. Havia alturas que eu descansava pouquíssimo. Ao fim de semana quando era suposto descansar estava a trabalhar, quando chegava a segunda feira era imparável...», recorda. 

«Nós [os atores] não temos perceção da realidade normal, perdemos um bocado o contacto com a realidade mundana, a nossa realidade passa a ser outra... eu com 20 anos ganhava mais do que os meus dois pais juntos […]olhando agora para trás, consigo perceber que não estava preparado para a emergência do sucesso e foi um boom muito grande naquela altura, muito maior até do que aquele que se assiste hoje em dia», diz ainda.

Zeca «não teve maturidade» para lidar com a fama

«Há uma distorção completa da realidade, não temos estrutura nem maturidade para saber lidar com aquilo. Tenho de o reconhecer, aos 20 anos não tive maturidade emocional para saber lidar com aquilo, com um fenómeno daqueles. Foi tudo e muito. Esta procura incessante de algo que me preenchesse era só colmatada com qualquer coisa que fosse exterior a mim, e depois ficava vazio outra vez. Essa procura constante levou-me a extremos», admite. 

Zeca chegou ao limite e teve de recorrer a ajuda específica para tratar a adição. «Entrei num ritmo de auto gestão, sem limites, eu deixei-me ir pelo que fosse, eu não ligava ao que poderia ser ou que poderia não ser». 

Júlia Pinheiro recorda que o ator tinha, nessa altura, um olhar triste, apesar do grande sucesso profissional. «Há uma tristeza inerente, andamos a viver uma cara de sorriso que não é exatamente aquilo que vivemos por dentro, e esta dissociação do que somos realmente começa a criar grandes vazios interiores […] Essas armadilhas tem de ser colmatadas com alguma coisa, o que nos leva à grande problemática, que foi a minha vida no passado, com os consumos, as adições...» 

José Carlos Pereira recorda que levava pelo menos quatro vidas ao mesmo tempo e que isso o esgotou. «Eu dizia sempre que estava tudo bem. Há uma altura em que não aguentamos mais porque não dormimos, não conseguimos ter quatro vidas ao mesmo tempo, é impossível. Era ator, tinha de ser filho, aos fins de semana tinha de trabalhar e depois tinha de ser médico ao mesmo tempo. São quatro vidas. Alguma delas vai quebrar e foi isso que acabou por acontecer. A que mais sofreu não era a personagem, era eu próprio». 

Ainda na entrevista, José Carlos Pereira revela como começou a consumir. «Comecei recreativamente como toda a gente, numa noite, numa festa... achava que aquilo era uma coisa perfeitamente normal, só que essa normalidade já saiu fora do normal» 

Zeca diz que há mais casos como o dele 

Zeca tratou-se, mas admite que há mais casos como o dele no meio artístico português. «Infelizmente em Portugal são muito mais comuns. Já vivi esta realidade nos meandros em que trabalhamos. Há muito, muito mais pessoas a viver do que aquilo que podemos julgar.  Há pessoas que negam que têm problemas, mas mais cedo ou mais tarde irão descobri-lo. Há pessoas que não pedem ajuda quando deveriam. O caminho acaba em três sítios: prisões, hospitais ou morte. Só há três caminhos possíveis para quem não se trata.» 

Resolvido o problema de adição, o ator não se inibe de assumir os erros do passado, mas ainda lhe custa o facto de ter sido julgado por um País inteiro. «Fui muito castigado com muita mentira à mistura, a mentira derrotou-me completamente», diz, magoado.

José Carlos Pereira garante que nunca pensou suicidar-se

Júlia Pinheiro pergunta-lhe diretamente se pensou colocar fim à vida nos momentos mais negros. «Não, nunca contemplei suicidar-me. Pensava qual seria a escapatória mais fácil, mas eu sabia que havia pessoas que me amavam, não sabia é como é que me podia desligar de tudo o que me magoava. O único modo que eu sabia para me desligar da realidade era só um, que fazia ainda pior, mas sabia que havia solução e ainda bem, porque poderia acabar de uma maneira muito pior. Acabei por saber que há um caminho, que é possível ter ajuda, que sozinho não sou capaz», afirma. 

A força de vontade em tornar-se um filho e um pai melhor ajudou à mudança. «Para mudar é preciso muita força de vontade, é a decisão que tomo todos os dias. Não me apetece ir ao ginásio, mas vou. Não me apetece ir trabalhar, mas vou […] O que eu quero neste momento é fazer bem a mim próprio, tratar-me, cuidar de mim, porque só se eu estiver bem vou conseguir fazer o bem aos outros, e eu estou em primeiro lugar».  

Texto: Redação Win – Conteúdos Digitais; Fotos: Impala  

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