Nacional
João de First Dates conta episódio difícil

«Queimaram-me nos braços com cigarros e obrigavam-me a gritar: 'Eu gosto de levar no **'»

Seg, 25/02/2019 - 19:29

João Simões, concorrente do First Dates, abre o coração à Nova Gente e dá testemunho arrepiante: «Principalmente na escola sempre fui chamado de 'olha o paneleiro'»

João Simões tem apenas 25 anos, mas já sabe que quer ser visto como um exemplo para a comunidade LGBTQI. Entrou no programa First Dates, da TVI, pela experiência, mas também para dar força a quem também já assumiu, ou quer assumir, a orientação sexual sem medos. O cozinheiro, que teve um encontro com Gonçalo Costa, abriu o coração à Nova Gente. 

Comecemos pelo princípio, quem é o João Simões? 

Sou o João Simões, tenho 25 anos, sou cozinheiro num restaurante de uma grande cadeia hoteleira no Algarve.

O que é que o levou a participar no First Dates?

Para além de toda a experiência, que foi única - quero desde já agradecer a toda a produção e principalmente ao Ruben Rua e à Fátima Lopes, pois foram impecáveis e muito humanos - o principal objetivo foi para que toda a comunidade LGBTQI não tenha medo de ser quem é, de se mostrar e de viver. Somos humanos como toda gente.

«O Gonçalo mostrou ser uma pessoa humilde»

O que achou do Gonçalo, o match encontrado para si?

Fisicamente não era aquilo que eu procurava, mas o à vontade dele e a simpatia cativaram-me. Foi uma conversa muito especial e intensa pois vimos que temos memórias e histórias de vida muito parecidas. Para além do pequeno (grande) pormenor de um dos nosso artistas de eleição ser o Diogo Piçarra. No fundo, o Gonçalo mostrou ser uma pessoa humilde, sincera e acima de tudo com conteúdo e com um grande sentido de responsabilidade de estarmos ali.

Sabemos que estão prestes a ter um segundo encontro. Está ansioso? Têm falado muito?

Sim, claro, eu não voltei a estar com o Gonçalo desde o dia de gravação do programa mas sim temos falado. Não tanto como se calhar gostaríamos mas as nossas profissões também nos deixam pouco tempo livre, vamos conversando.

Sente que a vossa participação no programa é um exemplo para outros casais homossexuais em Portugal?

Espero que seja pois foi esse o objetivo pelo qual participei. Mesmo não sendo um casal, mostramos o que somos sem vergonha e sem rodeios, pois o amor, a amizade são assim mesmo. Não temos de ter receios e, como dizia o grande senhor Raúl Solnado, 'façam o favor de ser felizes'. Tem sido sempre o meu lema de vida e há muita gente que tem algum tipo de homofobia, mas que dizem que comigo não conseguem ter pelo meu à vontade em falar no assunto e em não esconder do que gosto e o que sou.

Como foram as reações da sua família à participação?

Em geral positivas, pois penso que se sentiram orgulhosos e felizes sempre me deram um apoio enorme, em tudo principalmente em aceitarem como sou. Queria aqui realçar o papel da minha mãe, uma mulher de armas, lutadora e que sempre me apoiou em tudo, na minha vida sem ela nunca seria o ser humano que sou hoje. Também gostava de agradecer a uma grande grande amiga minha, a Vera, que não tenho palavras para dizer o quão ela me ajuda, me dá força e me faz sentir tão bem.

«Uma senhora do Porto chamou-me todos os insultos que possam haver»

E como tem sido o feedback do público? Teve alguma reação menos positiva? 

Muito muito bom, recebi dezenas de mensagens a darem-me os parabéns, a agradecerem-me pela coragem de me ter exposto assim. Em particular agradeço muito as mensagens das pessoas com a mesma orientação sexual que eu pois foram todos super queridos e agradeceram a coragem. Inclusive, ajudei um grande amigo a 'sair do armário' e isso só me faz cada vez mais lutar pelos nossos direitos. Obviamente que tive comentários menos bons, mensagens menos boas, mas fiz questão de responder a todos, inclusive a uma senhora do Porto que me chamou todos os insultos que possam haver.

Durante o jantar, o João contou que viveu um momento difícil quando a sua mãe soube da sua orientação sexual. O que aconteceu?

Preferia não falar nisso, a minha mãe é a mulher da minha vida, a pessoa que me criou sozinha, pois o meu pai (que para mim não tenho pai) nunca quis saber de mim e ter uma mulher como ela na minha vida só me tornou no ser humano que sou hoje com valores, sentido de vida e amo a minha mão acima de toda a gente.

O que se passou com o seu pai?

O meu pai nunca quis saber de mim.Ele não me queria assumir, tive de fazer dois testes de ADN para ele me assumir e nunca mas nunca me procurou. Sempre que eu tentava algum contacto ele desaparecia, a última vez chegou mesmo a dizer-me: 'Não estejas a espera que vá ser teu pai'. Na realidade não estava mesmo pois ele nunca foi e sinto uma certa mágoa, pois gostava de o ter tido presente nas minhas conquistas, nas minhas derrotas, na minha vida. Embora como referi tenha tido uma mãe que fez os dois papéis melhor que ninguém, mas também sempre disse ele tem-me nas redes sociais sabe onde eu estou se um dia tiver que cumprir a minha obrigação de filho e cuidar dele assim o farei.

Com que idade se assumiu perante a sociedade? 

Obviamente que sempre soube o que sentia, mas acho que publicamente foi com cerca de 18 ou 19 anos Sempre vivi oprimido, não que a minha família não me apoiasse, porque sempre me apoiou. Mas eu próprio não me sentia capaz de mostrar e chegou esse momento em que deixei de me preocupar com os outro e passei a pensar na minha felicidade e no eu sentir-me bem comigo mesmo.  Se calhar, por isso, vejo tanta gente que eu pensava que não ia lidar tão bem com a minha homossexualidade e que se sentem à vontade comigo, em falar comigo, em perceberem o quão ainda não somos totalmente livres.

«Acabei por pedir a uma colega para me encher os braços com base para que ninguém soubesse»

Alguma vez sofreu de bullying devido à orientação sexual?

Sim, principalmente na escola sempre fui chamado de 'olha o paneleiro' mas, sem dúvida, a situação que mais me afetou foi quando os meninos mais velhos da escola onde eu estudava que agarram, e me queimaram nos braços com pontas de cigarros. Durante esta tortura obrigavam-me a gritar 'eu gosto de levar no **', foi um momento muito degradante e horrendo. Na altura acabei por pedir a uma colega para me encher os braços com base para que ninguém soubesse. Hoje já sabem.

Que mensagem gostaria de deixar a Portugal?

Vou citar novamente Raúl Solnado 'façam o favor de ser felizes', nunca tenham vergonha de ser vocês. Infelizmente ainda vivemos numa sociedade em que tudo o que é diferente é mau, mas todos sabemos que não é assim. Às vezes custa passar ao lado ao lado de certos comentários mas pensem sempre em vocês, sejam verdadeiros e, se algum dia eu poder ajudar algum de vocês, estejam à vontade para me perguntarem, desabafarem. Todos mas todos temos a missão de tornar o mundo melhor.

Que planos tem para o futuro? Há alguma coisa que gostasse de acrescentar?

Para além de ser feliz, e de continuar a lutar pelos direitos da comunidade LGBTQI. Gostava de um dia poder viver como qualquer pessoa, poder andar de mão dada na rua, poder beijar o meu namorado na rua, como vejo os casais heterossexuais fazerem e se não me incomoda eles trocarem afetos. Por que razão é que os incomodo? O amor não tem sexo, cor, etnia ou religião.

Texto: Mariana de Almeida; Fotos: Reprodução Instagram

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