Nacional
Ivete Oliveira

Sobrevivente de cancro dedica-se a ajudar quem vive com a doença

Ter, 04/02/2020 - 14:20

Ivete Oliveira recebeu três vezes o diagnóstico de cancro. Recuperou de todos.

Ivete Oliveira recuperou dos diagnósticos que considerou «sentenças de morte», hoje é uma das voluntárias da Liga Portuguesa contra o Cancro e vive a contar a sua história. É uma inspiração para quem está doente.

Recorda-se do momento em que recebeu o diagnóstico do cancro?

Há coisas na vida que nunca esquecerei. Costumo dizer que estão gravadas na minha alma e morrerão comigo. Adoeci muito nova, no auge da minha felicidade. Um tumor raro, agressivo, invasivo, triplamente negativo e de tratamento específico toldou a minha felicidade. Foi a primeira vez que pensei na finitude da vida. Entrei em choque, a seguir em negação, luto, desespero e, por fim, na aceitação.

Não disfarcei. Acabada de operar, com a força inerente à minha maneira de ser, e sozinha, jurei tudo fazer para ultrapassar aqueles meses que são, em simultâneo, terríveis e incompreendidos. Senti dor, chorei muito e a sensação que tinha era a de estar a caminhar na neve sem rumo. Perdida, incapaz de tomar decisões importantes e de sentir a sensação de estar a enlouquecer, sem carinho, apenas com apoio financeiro.

Há 17 anos, o cancro de mama era uma sentença de morte. Ainda hoje, talvez porque recidivei e tive um outro tumor na mama direita, acordo algumas vezes em desespero. A seguir, sinto uma felicidade infinita por estar a gozar de ausência de células cancerosas há uns bons pares de anos.

O que a levou ao médico?

Sou filha única e, desde cedo, familiarizei-me com o cancro. A minha mãe teve cancro de mama e viveu até aos 87 anos. Já o meu pai não teve a mesma sorte. Fico sempre nostálgica quando falo dos meus progenitores. Foi o sofrimento atroz o que o meu pai, acompanhado por mim, viveu. Isso levou- -me a ter um cuidado enorme e a fazer rastreios e a apalpação à mama.

A deteção precoce salva as pessoas. Eu estava de férias e, inconscientemente, ao sair do mar, pus a mão no lado esquerdo do biquíni para o arranjar. Como sou muito magra, senti um caroço muito pequenino e duro. De imediato pensei no cancro da minha mãe. Afastei a ideia, mas durante a noite acordei várias vezes preocupada. Estava no Algarve, mês de agosto, e decidi vir para o Porto de imediato fazer o despiste. Não facilitei. Talvez isso tenha ajudado a que continue viva. A cirurgia foi resolvida em oito dias.

«O período mais negro da minha vida»

Alguma vez lhe passou pela cabeça viver na primeira pessoa a experiência que um doente oncológico vive?

Embora tenha convivido com a doença desde muito nova, nada se compara ao sofrimento sentido quando somos nós as vítimas de um inimigo que ataca silencioso e em desigualdade. Perdi a fé espiritual e comecei a viver num mundo diferente e a aprender a integrar- me nessa mudança.

Como descreve o que viveu?

Tive cancro três vezes. As duas primeiras na mama esquerda e considero esse o período mais negro da minha vida. Ao fim de quatro anos, em que pensei estar livre de células malignas, recidivei. Depois, durante dez meses, vivi nas minhas fraquezas, completamente perdida, sofri calada e, a maior parte do tempo, só. Há quem diga que sou uma vencedora. Não. Os meus dramas sofri-os em silêncio e o cancro marcou a minha vida para sempre. Fiquei cansada, desinvesti nos afetos, tive pouco suporte emocional e somente eu participei ativamente nos meus tratamentos.

Como encarou os tratamentos?

Foram agressivos e assustadores. A possibilidade do risco de vida transtornou-me. Tinha perdido a saúde, o medo e as angústias bombardeavam permanentemente a minha parte emocional. Fisicamente, fiquei um caco, mas nunca claudiquei.

Que idade tinha?

A primeira vez que adoeci tinha 48 anos. Recidivei quatro anos mais tarde (na mesma mama, a esquerda) e, em 2016, o tumor que me apareceu namama direita foi de bom prognóstico.

Há quanto tempo foi isso?

Não é o tempo que importa. As características e o estado pouco avançado do cancro de mama que tive – ductal invasivo – afetam dez a 20 por cento de mulheres e têm origem desconhecida, com um comportamento perigoso que pode recidivar dez anos após o primeiro aparecimento. É agressivo, cresce rapidamente e há até quem lhe chame o cancro da alma. Adoro viver, mas o meu alerta é permanente. 

«O cancro é um inimigo insidioso, tenebroso e, muitas vezes, desconhecido»

Como se sente atualmente?

Sinto-me bem. Desvalorizo os efeitos secundários, herança dos tratamentos agressivos a que me sujeitei. Por exemplo, há anos que exercito o braço esquerdo todos os dias, para reduzir a incapacidade provocada pela radioterapia. Sigo religiosamente todas as indicações médicas. Sou uma ótima doente.

Existe cada vez mais a ideia de que “já não se morre com cancro, vive-se com cancro”. Concorda?

Essa frase é linear e o cancro é um inimigo insidioso, tenebroso e, muitas vezes, desconhecido. É transversal à idade, sexo e estrato social. O milagre do tempo, o avanço da medicina, o investimento a nível mundial que tem sido feito para tratar a evolução metastática, leva-nos a acreditar que há cada vez mais casos solucionáveis.

As mentalidades estão a mudar. Quando adoeci, ter cancro era uma sentença de morte. Hoje em dia, não. Felizmente, há muitos casos de sucesso, mas não podemos esquecer que morre uma pessoa com cancro de três em três horas. É necessário fazer o rastreio, estar atento aos sinais dados pelo corpo e ter hábitos saudáveis.

O que diz a alguém que acaba de receber o diagnóstico que a Ivete recebeu?

De imediato, dou o meu testemunho. Já vi lágrimas transformarem- -se em pálidos sorrisos. Mais que falar, é ouvir, ouvir e ouvir. Aconselho- as a participar ativamente nos seus tratamentos, a assumir as fraquezas, a encarar o medo e a nunca desvalorizar a doença nem perder a esperança. Ao fim destes anos, continuo com energia para continuar a viver, sem grandes projetos, mas com muito prazer e alegria. Adoro ajudar quem precisa.

Texto: Lídia Belourico; Fotos: DR

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