Nacional
Igor Regalla

«Ser ator é uma pressão tão grande que nos leva a depressões. Eu tive uma»

Seg, 28/09/2020 - 20:40

Igor Regalla, que dá a vida a Gil na novela Nazaré, é um dos maiores talentos da sua geração, no entanto o seu percurso profissional nem sempre foi fácil por ser negro.

Igor Regalla foi o convidado de Daniel Oliveira no programa Alta Definição, emitido no passado sábado, dia 26, na SIC. O ator que dá a vida a Gil na novela Nazaré, é um dos maiores talentos da sua geração, no entanto o seu percurso profissional nem sempre foi fácil por ser negro. O racismo sempre esteve muito presente na sua vida mas Igor reconhece que já foram dados alguns passos no que dia respeito à igualdade.

«O meu percurso profissional sempre foi muito marcado por isso, por eu fazer personagens que parece que alimentam o preconceito que há, quase que só sirvo para vender droga e ser o mauzão do bairro, quando sinto que sou tão mais do que isso», começou por dizer, para depois confidenciar que se sente mais tranquilo com o futuro do filho (que nasceu há dois anos), tendo em conta que este, por sua vez, tem uma tonalidade mais clara.

«Tragicamente, até estou mais descansado porque o meu filho é mais claro do que eu. O meu filho é quase branco e isso deixa-me um bocadinho mais descansado porque sei que ele não vai passar por tanto como eu, como alguns colegas… Porque é inevitável, as oportunidades não são as mesmas e isso é um bocado triste. Tive que penar tanto, tanto profissionalmente só para estar aqui sentado nesta cadeira», confidenciou.

«Já passei por abusos de alguns polícias»

Para Igor, o facto de não estar no país de origem ou de não se parecer como a maior parte das pessoas (cor de pele), faz com que não se sinta bem vindo: «Há comportamentos, às vezes, um bocado idiotas que as pessoas insistem em ter», explicou. Por isso mesmo afirma que isso ainda o incomoda. «Incomoda-me, muito, chateia-me muito», frisou para depois contar um episódio que, até hoje, nunca esqueceu.

«Já passei por abusos de alguns polícias em abordagens ridículas. (..) Felizmente, há muita gente que tem a capacidade de se colocar na pele do outro e é por essas pessoas que as coisas estão, de facto, a melhorar», reconheceu.

Ao longo da conversa, o ator recordou os tempos de adolescência e revelou que entre os 10 e os 18 anos era um rapaz que se isolava no quarto. «Sempre que tinha um problema mais forte fechava-me muito nos jogos porque se estava bem atrás de um computador», contou, admitindo que assim não tinha que lidar com «certas pessoas» a tratarem-no de forma diferente.

«Ser ator é uma pressão tão grande que nos leva a depressões»

Igor já protagonizou vários filmes e entrou várias novelas da ficção nacional. No entanto, a pressão de ser ator e de nem sempre ter trabalho levou a que sofresse uma depressão pouco depois do nascimento do filho.

«Ser ator é uma pressão tão grande que nos leva a depressões. Eu tive uma há relativamente pouco tempo. Tinha acabado de fazer o ‘Gabriel’, um filme sobre boxe. A coisa tinha corrido bem, o meu filho já tinha nascido e essa é a parte que mais me doí. Foi a tal pressão que é: como é que depois de ser o Eusébio, de fazer um Gabriel, eu cá em Portugal, se deixar de trabalhar na minha área, como é que vou trabalhar para um café. Se calhar devia meter o orgulho de lado e ir», recordou.

«Esta pressão toda das pessoas dizerem que, finalmente, estão a ver um preto da televisão. E começas a fazer uma coisa, depois já estás a fazer outra… E, de repente, em dois anos protagonizo dois filmes… Há 20 anos que não havia um protagonista negro. E depois acabo e penso: ‘Ok, agora não vai aparecer mais nada’. Apareceu a [novela] ‘Alma e Coração’ e, depois, dessa novela é que me começou a bater. 

Pensava que as pessoas já estavam fartas e que já não queriam saber, que já tinha tido a minha oportunidade, que tinha tido algum impacto, mas que não ia mudar nada, que as coisas iam continuar como estavam. Pensava que me iam continuar a chamar para as mesmas coisas… […] São muitas perguntas sem resposta, muita injustiça a acontecer constantemente que chega a uma altura em que nós olhamos e sentimos que não vale mesmo a pena. Felizmente, o universo começou do nada a dar uma chapadas e a dizer: ‘olha, calma’», confidenciou.

Mas houve um dia que viu a luz ao fundo do túnel: «Quando isto começa a desaparecer (a fase mais negra da sua vida) foi no dia em que recebei uma chamada a dizer que estava nomeado para os Globo de Ouro na categoria de Melhor Ator. Pensei: ‘Se calhar há aqui alguém que está atento’. Isso animou-me muito, tirou-me da cama», confessou. «Depois começaram a surgir outras oportunidades, outros projetos e voltou a ter forças para continuar», acrescentou.

«Ao longo da minha vida inteira sempre fui quase a ovelha negra. Claro que fazia sempre disso uma coisa diferente, mas é impossível nós sermos um elemento diferente e o resto não estar sempre a brincar com o assunto. Mas acho que acabei por conseguir gerir tudo isto de uma forma mais ou menos saudável. Há coisas que não saem [da cabeça], mas a verdade é que também não me posso queixar assim tanto porque sinto que agora as coisas estão mesmo a mudar», disse, ao recordar uma das fases “mais marcantes da sua vida”. Em criança, fugiu com a mãe da guerra civil na Guiné-Bissau e é nela que pensa em cada conquista que tem enquanto ator.

«E quero muito provar que é possível vingar a ser ator aqui»

Já sobre a relação com o pai, Igor admite que «há coisas por resolver». O jovem ator contou a Daniel Oliveira que uma vez pediu dinheiro ao pai para fazer um curso na área da representação, mas o progenitor não o ajudou porque não acreditava naquele futuro.

«Esta postura dele fez com que a maior parte do meu processo fosse como foi, e ainda bem. Estou mais forte do que estava se estivesse constantemente no carrinho do papá… Está tudo certo. E quero muito provar que é possível vingar a ser ator aqui. É uma tarefa difícil. Se for preciso ter que passar fome para não pedir ajuda à minha mãe, que é a pessoa que me apoia incondicionalmente, eu passo só para ela estar tranquila», admitiu.

Texto: Márcia Alves; Fotos: DR

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