Nacional
Gonçalo Câmara relembra a avó

Locutor da Cidade escreve carta aberta à avó

Qui, 05/01/2017 - 10:45

"Porque isto aqui em baixo anda estranho". Saiba o que disse o locutor de rádio!

A voz de Gonçalo Câmara é ouvida todas as manhãs por milhares de pessoas. É conhecido, também, por ser o autor de "Os Magos do Social" e pelos vídeos cómicos que costuma fazer.

O locutor da rádio Cidade faz uma reflexão sobre a vida "aqui na Terra" e escreve uma carta aberta à avó:

 

"Querida avó,


O tempo passa e as saudades são cada vez maiores. Acreditas que o Soares ainda cá anda? É! Lembro-me de ti sempre com aquela postura de senhora baronesa nessa ilha de S. Miguel que era tão tua. Há quem diga que o Atlântico já não é o que era. Concordo plenamente. Faltas tu. Porque te escrevo? Porque isto aqui em baixo anda estranho. Vê lá tu que há uma senhora chamada Maria Leal que guincha mas chamam-na cantora. Gostavas de me ouvir cantar e insistias mas toda a vida me tenho escondido na timidez. Pode ser que um dia...


O Pracana agora está aí contigo. Já tens aí muita gente contigo de quem também tenho saudades. O avô por exemplo. Que tal está ele? Ainda ressona? Extraordinário. Achei que essas coisas aí amainavam.


Isto anda estranho. Há profissões novas. Youtubers e Instagramers. Nem queiras saber. É selfies por todo o lado, é malta desprevenida com marcas de cremes. Recebem por isso. Selfies, avó. Auto-retratos. Imaginas-te a tirar uma fotografia com um sabão azul e branco e a seres remunerada por isso? Pois. Também acho.


Também há hamburguerias por todo o lado. É em cada esquina, avó. Comida assim, comida assada. Pratos com 3 centímetros de diâmetro a 15 euros. Verdade, avó. Saudades das tuas sopas, naquela cozinha velha. Lembras-te do Carlos, o teu empregado? Ainda no outro dia nos ríamos até às lágrimas a relembrar as histórias. "Quer mais sopa senhora?". Bons tempos.


Lembras-te de dizer que na sociedade ia haver sempre gente mal formada e sem carácter? Ordinária e sem interesse? Tenho visto muitos por aqui. Isto das redes sociais parecem toupeiras, todas a vir ao de cima. Mas deixa, sempre houve. Ias-te passar com as coisas que se dizem e lêem por aqui.


Ainda me lembro quando tínhamos que tirar os ténis à porta de casa para não saberes que tínhamos chegado a casa. Mas lá estavas tu, de plantão, no escritório, sempre à coca. Incrível. Hoje aqui ninguém dá horas para nada, a noite é promiscua e a coca é outra. Nem vale a pena.


Tenho saudades tuas. Isso aí é frio? Às vezes ponho-me a pensar como será o sítio onde estás. Há filas para todo o lado como aqui em baixo? Isto aqui anda insuportável. É mesmo em todo o lado. Trânsito, lojas, multibanco. Natal, saldos, uma azáfama. E quando dizias que o Natal não era nada disto? Tenho isso presente sempre. Mas às vezes não dá para contornar. Tem que haver aqui e ali um presente. Tu também gostavas, não inventes. Mas dizias que o melhor presente eram as pessoas que te rodeavam. Como te percebo.


Aqui também há muitos grupos mas estão todos no Whatsapp. Whatsapp, avó. Aquilo dá jeito, mas a malta tem andado menos presente. Ir a sítios? Sim, ainda vamos, a maior parte das vezes agarrados ao telemóvel. Conversa séria há pouca.
Vou tentando dar conta do recado por aqui. Menos no trânsito. Tem paciência mas aí continuarei a ser uma besta.

Saudades tuas...".

 

 

Texto: Mafalda Magrini

 

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