Nacional
Gonçalo Amaral

Caso Maddie leva ao divórcio

Sex, 10/02/2012 - 18:13

A união de dez anos cedeu à pressão do caso Maddie. Sem bens nem dinheiro, o ex­-inspetor voltou a casa dos pais, aos 53 anos. À NOVA GENTE falou do divórcio, da escrita, das filhas e do litígio com os McCann...

Ao fim de alguns anos decidiu separar-se da Sofia. Foi uma consequência dos problemas que ainda tem com os pais de Maddie, nomeadamente, ao facto de ter ficado sem bens, sem forma de se sustentar?
Ainda é cedo para fazer esse tipo de contabilidade. Os casamentos terminam por diversas razões, as quais normalmente devem ficar no foro pessoal do ex-matrimónio. Mas foi uma decisão ponderada entre mim e a mãe da minha filha Inês.

Lembro-me que a Sofia o apoiou sempre e em todas as ocasiões durante este processo. Apesar de separados ela continua a apoiá-lo? De que forma? O Gonçalo também a apoia? De facto foi e é assim, mas neste momento quero preservar o seu e o meu espaço. Gosto de saber que ela continua disposta a apoiar-me, mas sinto-me melhor ir sozinho à luta final. Como alguém já disse: quando éramos miúdos não chamávamos a família para nos defender. Vai sendo tempo de estar sozinho, tendo a certeza que é a melhor forma de defender os interesses da minha filha e da mãe dela.

Vai haver pedido de divórcio?
O divórcio é por mútuo acordo, e espero que seja declarado o mais rapidamente possível, para a Sofia seguir o seu caminho e eu o meu. Não guardamos qualquer tipo de rancor e apenas nos preocupa o futuro das nossas filhas. Costumo dizer que se a mãe das minhas filhas estiver bem, elas estarão bem, e é com isso que me preocupo.

Tem visitado com frequência as suas filhas? Como gere esse espaço? Costuma ir ao Algarve vê-las ou elas vêem a Lisboa?
Sempre que posso vou ao Algarve ou elas vêm a Lisboa. Continuo a considerar a Rita como minha filha, apesar de legalmente não o ser, a preocupar-me com ela e com o seu futuro, foi uma década em que a vi crescer a meu lado, a qual não é possível apagar como se desligasse um botão. A internet e o telemóvel também ajudam a encurtar a distância das minhas filhas.

Tem estado cada vez mais perto da sua filha mais velha, e de outro casamento. Ela seguiu-lhe as passadas?
A minha filha mais velha, hoje com 27 anos, tem-se tornado a minha confidente. Ainda me preocupo com o seu futuro, apesar de ter atingido os seus objectivos académicos (Licenciada, Mestre em Direito Penal e Advogada no desemprego), costumo dizer que ela faz parte da tal “geração à rasca”. A mãe dela e eu conseguimos fazer por ela o que muitos pais fizeram e gostariam de ter feito pelos filhos, dar-lhes condições para terem sucesso, só que tal parece tardar. O meu desejo é que ela seja feliz.

Não sente saudades da sua vida familiar?
Penso que o saudosismo da vida familiar não é benéfico. É lógico que tenho boas recordações dessa vida familiar, estou a divorciar-me da minha ex-mulher e não das minhas filhas, as quais para mim continuam a ser a primeira razão da minha existência.

Está a gostar da nova vida de ‘solteiro’? É mais fácil ser casado ou solteiro?
É diferente, não é possível fazer comparações.

Como é que resolveram as coisas? Foi difícil, longo, complicado?
Não foi fácil, mas também não foi difícil. Ocorreu uma ponderação e uma avaliação conjunta da nossa relação, tendo-se chegado, calma e serenamente, à conclusão que já estava esgotada e que era necessário mudar de vida, nada de mais.

Alguma vez pensou que por causa de uma investigação, como a de Maddie, a sua vida iria ficar toda de pernas para o ar?
Nunca pensei, mas isso só é possível face ao servilismo com que no nosso país se vêem as relações com o Reino Unido, os nossos políticos e intelectuais esqueceram dos valores da justiça e da verdade. Se relativamente aos políticos é normal que optem por razões de Estado em detrimento de valores que enformam a democracia, relativamente aos intelectuais tal já não parece aceitável nem compreensível. Por outro lado, as famílias sentem-se desamparadas desconhecendo o que podem fazer na busca do seu ente querido, e o que esperar das autoridades policiais e judiciais.

O facto de agora, com 53 anos, ter regressado aos Olivais, à casa do seu pai, é um regressar às origens, ao inicio da sua vida?
É um facto. A minha mãe já morreu, os meus irmãos já não vivem cá, e agora sou só eu e o meu pai a reaprender a viver juntos. Tem sido interessante em todos os aspectos, mas principalmente no facto de ele me ver a mim e aos meus amigos como aqueles jovens de outros tempos retratados na dedicatória “moços do meu bairro”.

Como é que está a correr-lhe a vida?
A minha vida está numa fase de mudança profunda. Corre bem no aspecto de me sentir apoiado pela família e pelos amigos de infância, aqui no bairro sou apenas mais um, circulo quase anonimamente por entre amigos e conhecidos. Em termos económicos e financeiros começo a dar os passos necessários ao equilíbrio. Para tal, defini uma estratégia com o meu novo advogado, a qual passa por reagir à acção do casal McCann e resolver de uma forma global todas as outras situações.

“Vidas sem Defesa” é um manual para pais de crianças desaparecidas ou um grito de revolta? O que o levou a escrever esta terceira obra?
“Vidas sem Defesa” é um manual para pais de crianças desaparecidas de longo prazo, para técnicos que trabalham na área de apoio a estas famílias e um grito de revolta face à inexistência, no nosso país, de estruturas capazes de estudarem o fenómeno e dar a resposta que se impõe aquando de qualquer desaparecimento de uma criança. A resposta rápida e eficaz tarda a ocorrer, não existe uma estrutura policial única, faltando planeamento e formação específica.

De todos os casos que trouxe neste livro qual o que mais o comoveu? E o do Rui Pedro?
Todos me comoveram, é difícil eleger um de entre tantos casos, todos eles carregados de desespero e angústia. O caso Rui Pedro é especial, servindo de exemplo relativamente à inércia e ineficácia da polícia, como resultado da falta de planeamento e formação específica dos investigadores inicialmente encarregues do caso, mas também da luta e tenacidade de uma família, em particular da mãe da criança, que tudo fez para que tal desaparecimento não caísse no esquecimento nem terminasse na poeira dos arquivos judiciais.

A introdução do livro é um regresso ao seu bairro de infância, de sempre… O que o levou a escrever essa memória?
É uma memória importante porque me levou ao tempo em que as crianças deste país pareciam poder brincar, como bandos de pardais à solta, e crescer longe dos perigos de agora, sem internet ou telemóveis, mas, como todos dizem: fomos felizes. Crescemos de forma saudável, feliz e quase todos conseguimos realizar os nossos sonhos. -A dedicatória “aos moços do meu bairro”, foi escrita após o meu retorno ao bairro onde cresci, e onde reencontrei muitos dos meus amigos e companheiros de infância. Entre eles, e a viver ainda no mesmo prédio, encontrei o pai da Margarida, esta uma jovem de 19 anos de idade que como nós luta agora pela realização dos seus sonhos, e entre tais sonhos, encontra-se o de estudar teatro, se possível em Inglaterra, mas face ao momento de crise actual, parece não ser fácil. Como lhe costumo dizer é bom sonhar e acreditar na realização dos nossos sonhos. A Margarida decidiu ser baptizada pela religião católica, o que irá acontecer nos próximos meses, por enquanto prepara-se na Igreja local para cumprir esse seu desejo, tendo já escolhido o padrinho, a escolha recaiu em mim o que me enche de orgulho, não só pelo carinho que nutro por ela, ou pela amizade de décadas para com os seus pais, mas principalmente por ver nela uma jovem que deseja crescer na fé, aproximando-se da Igreja, conhecendo Jesus Cristo, não deixando de viver a sua juventude, como todos os jovens ela sabe distinguir entre o temporal e o espiritual. Foi junto dos pais da Margarida e da sua juventude que reencontrei a amizade perdida ao longo de anos de uma vida de andarilho por força da minha profissão de investigador crriminal.

Escrever tem sido uma constante desde que se reformou como inspector da PJ. É uma paixão?
Vou revelar um segredo. Na minha adolescência comecei a “escrevinhar” um relato da vida da minha família, oriundos de uma aldeia da Beira Alta que no início dos anos 60 do século passado migrou para Lisboa, em busca de uma vida melhor, tendo passado momentos maus, mas muitos bons, recordando-me bem do que era ser membro de uma família numerosa e pobre, mas quando estávamos todos reunidos eram momentos de uma eterna felicidade. Nunca terminei essa história de vida esperando um dia fazê-lo, tudo tem um tempo e chegará a altura certa para o fazer. Por agora é tempo de encerrar o “caso Madeleine” e escrever o que na minha opinião falta fazer para se apurar a verdade, as diligências de investigação que faltam realizar para saber o que de facto aconteceu àquela criança. A investigação deste caso pode-se considerar uma investigação inacabada e que urge terminar. Enquanto escrevo sobre o “caso Madeleine”, pelo qual não estou obcecado, lutando apenas pela realização da justiça e da verdade, valores que enformam a minha vida e as sociedades ditas democráticas, vou também escrevendo sobre outro mundo policial, o do tráfico de estupefacientes.

Já há uma ideia para o próximo livro?
Tenho um livro por acabar, já com título :”Tráfico e paixões”, onde relato a investigação criminal do crime de tráfico de estupefacientes ao longo das últimas três décadas, as organizações criminosas, os traficantes como pessoas (sujeitos de desejos e paixões), e não apenas como meros criminosos, os métodos utilizados pelos traficantes e a resposta dada pela Polícia Judiciária.

O processo civil por difamação que o casal McCann lhe colocou – e que ia começar a ser julgado mas foi adiado – e onde eles reclamam 1 milhão e 200 mil euros, vê-o como um golpe de misericórdia que lhe aplicaram? Tem boas hipóteses de ganhar?
Não é um golpe de misericórdia, é uma séria tentativa de me aniquilar como pessoa e cidadão, mas os McCann não têm factos que fundamentem o seu pedido e talvez nem legitimidade para o fazer. Sempre confiei na justiça pelo que tenho a certeza e a confiança de ganhar tal processo civil.

Marinho Pinto ofereceu-se para testemunhar a favor do casal McCann contra si. O que tem a dizer sobre isto? E de que trata este processo de difamação?
O Dr. Marinho Pinto é um cidadão livre e tem o direito a ser testemunha de quem quer que seja, quanto a isso não faço mais comentários. Não está em causa um processo de difamação. Aliás, no âmbito da providência cautelar interposta pelo casal McCann os Tribunais superiores já decidiram que não violei nenhum direito privado desses senhores e muito menos difamei.

Eles conseguiram congelar-lhe os bens, os honorários do ‘Maddie, A Verdade da Mentira’, enfim, deixaram-no sem reservas e sem emprego; afectaram a sua vida e a da sua família. Consegue entender a razão do casal querer vê-lo completamente destruído? Algum ódio contra si?
Que sentimento é que tudo isto desperta em si? - O casal não me perdoa o facto de no meu livro “Maddie:”A verdade da mentira”, ter escrito os factos e as conclusões da investigação existentes até Setembro de 2007. Tiveram dificuldades em gerir a verdade. Numa primeira fase desvalorizaram o livro. Dois anos depois lembraram-se que o livro existia, por coincidência tinha sido indicado para ser candidato a Presidente da Câmara Municipal de Olhão, por determinado partido político, e o livro estava preste a ser traduzido para inglês e eventual editado no Reino Unido. Para eles foi demais, tinham que continuar a sua campanha de descredibilização relativamente à minha pessoa e pôr em causa a subsistência da minha família, o que se diga não é nada católico para quem se diz ser. E tudo porque o casal tem medo que a verdade se saiba.

O Gonçalo ganhou, na Relação, a providência cautelar contra a publicação do livro “A Verdade da Mentira”, onde defendia a tese de que Maddie tinha morrido no Algarve. Os desembargadores consideraram que a proibição da publicação do livro violava a Constituição. Este foi um bom presente? O que aconteceu a seguir? Teve os livros de volta, foi ressarcido de alguma forma?
O casal McCann não cumpre as decisões dos tribunais portugueses porque ainda não devolveram os livros “Maddie: A Verdade da Mentira”, entregues à sua advogada como fiel depositária, apesar da decisão judicial já ter transitado em julgado.Tenho dúvidas que os livros ainda existiam, suspeitando que os mesmo possam ter sido destruídos razão pela qual denunciei o caso ao Ministério Público.

Após quase 5 anos de desaparecimento de Maddie, acredita que o caso vai ser reaberto? Continua a defender a reconstituição?
Dificilmente o processo será reaberto nos próximos tempos, é tudo uma questão de vontade política. Mas a decisão do processo civil, pode ter influência na criação dessa vontade política. -No caso de uma reabertura da investigação, a reconstituição será sempre uma das primeiras diligências a realizar, disso não tenhamos dúvidas.

O casal tem sentimentos de vingança contra si?
Não sei se nutrem sentimentos de vingança sobre mim, tudo indica que sim. Caiem sobre mim para calarem vozes incómodas.

O litigio que os opõe a si vai acabar quando? É um preço alto demais a pagar por não lhes ter encontrado a filha ou por ter dito que provavelmente foram eles os negligentes?
Negligentes foram, basta ler o despacho de arquivamento do Ministério Público e recordar os factos. Não tenho nada para pagar ao casal McCann, eles sim é que já deveriam ter vindo a público agradecer o empenho e o esforço dos investigadores portugueses na busca da sua filha, deixando para trás as suas famílias e filhos. São ricos mas mesmo assim mal agradecidos.

Onde é que tem ido buscar forças para continuar a vida?
Às minhas filhas e aos valores que defendo entre eles, não sendo demais recordar, a justiça e a verdade.

Tem sentimentos de vingança por quem lhe destruiu a vida, como os McCann?
Não nutro sentimentos de vingança porque sei que o casal está a realizar uma “fuga para a frente”, por exemplo se não tivessem prematuramente arquivado o processo onde se investigava o desaparecimento de Madeleine a realidade seria outra. No entanto há-de chegar o momento em que os danos causados à minha família e a mim terão de ser contabilizados e ressarcidos disso não tenhamos dúvidas.

O Gonçalo perdeu todos os bens que tinha. Como tem sobrevivido?
Tenho sobrevivido da reforma, ou melhor de parte dela, porque até a empresa que criei após a minha aposentação da Polícia Judiciária foi destruída pelo casal McCann. Tenho projectos para a minha vida os quais não dependem desse casal, mas como sei que eles me querem destruir não os vou revelar aqui.

Quem era e quem é agora o Gonçalo Amaral? Continua a lutar pelo que acredita?
Sou um homem português como qualquer outro, com defeitos e virtudes, sempre coloquei a família acima de tudo, apesar de ter constituído família duas vezes. Vivo para as minhas filhas e para a felicidade daqueles que me são próximos, basta-me saber que o outro está feliz para eu também estar. Defendo valores que a vida me incutiu, e sim, sou teimoso na defesa desses valores, uma democracia só faz sentido se existir justiça e verdade, se o homem tiver valor para além do Estado, não há nem podem haver razões de Estado que coloquem em causa esses princípios.

Tem saudades de ser inspector? De voltar à investigação? Do que sente mais falta?
Da adrenalina, da decisão no limite, da autonomia e iniciativa que cada investigador criminal deve ter.

Se o casal MaCann vier a Portugal assistir ao julgamento, gostava de os abordar para lhes dizer algo?
Essas perguntas terão sempre que ser respondidas no âmbito do processo crime onde se investigava o desaparecimento de Madeleine.

O que gostaria de lhes dizer caso pudesse dizer-lhes algo?
Que a falta de dinheiro é má, mas a falta de juízo é muito pior.

Quais são as suas expectativas para o futuro?
São boas, espero nos próximos meses resolver, com o apoio do meu advogado, todos os problemas que tenho e conseguir realizar os sonhos das minhas filhas e daqueles que me são próximos.

E um sonho seu…
Gostaria um dia de criar uma fundação que apoiasse o crescimento integrado de crianças desfavorecidas, de forma a realizar os seus sonhos e a dar-lhes as condições materiais para sobreviverem numa sociedade cada vez mais de costas voltadas para o outro.

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