Nacional
Florbela Queiroz

"Se me der alguma coisa no coração, ninguém me pode reanimar" (Entrevista exclusiva)

Sáb, 09/10/2021 - 16:45

Florbela Queiroz dá uma entrevista à NOVA GENTE e abre o coração para falar sobre a vida. Diz que não tem medo da morte e revela ainda a sua paixão por Cristiano Ronaldo.

Florbela Queiroz tem 78 anos, mas quer continuar a trabalhar e garante que não tem medo da morte. Numa entrevista exclusiva à NOVA GENTE, a atriz revela que não quer ser tratada se tiver alguma doença, nem reanimada pelos médicos. Abre ainda o coração para falar da família e daquele que considera como um filho, Cristiano Ronaldo: “É o meu menino de ouro”.

Florbela, está prestes a subir ao palco com uma nova peça de teatro. Que peça é?
Sim, vamos fazer Virados do Avesso. É uma coprodução dos Sonhos em Cena e da Companhia da Madeira. Subimos ao palco nos dias 29, 30 e 31 de outubro, na Madeira, e depois poderemos – ainda não temos a certeza – fazer no continente. Sou eu, a Raquel Caneca, o Ricardo Miguel, a Sara Inês, a Marta Godinho, a Idalina Brito e o Filipe Cardoso.

Há quanto tempo não faz teatro?
Desde 2019.

Já tinha saudades?
Claro. Sem um palco, não tenho razões para me levantar. É assim que se sente quem gosta daquilo que faz.

Esta paragem, por causa da covid-19, foi difícil de gerir?
Estive parada eu e estiveram todos os que fazem teatro. Agora, felizmente, as coisas estão a voltar ao normal, mas claro que não vai ser fácil… Dois anos é muito tempo, as despesas não param. É um problema muito grave. As pessoas que fazem teatro têm de se levantar e reconstruir aquilo que já tiveram. Temos de acreditar que tudo se consegue.

Quando não está a trabalhar, como passa o tempo?
Olhe, com as coisas da casa. E raramente vejo televisão. Vejo de manhã a “Casa Feliz” e agora estou a ver uma novela antiga que está a passar na TVI, A Única Mulher. Tem um enredo fantástico e atores muito bons, mas a maior parte não os conheço pessoalmente. 

Tem pena de não fazer novelas?
Eu tenho, mas eles não [risos].

Porque é que acha que não a chamam?
Sei lá! Nunca lhes perguntei, nem faço intenção de lhes perguntar. São sempre os mesmos… Agora estou a ver esta novela, mas se, de repente, ligasse para outro canal, estavam lá os mesmos a fazer outra.

O facto de não fazer novelas deixa-a triste?
Não. Ao principio, deixava. Eu não estava habituada… Estava habituada a entrar em novelas e a haver mudanças de personagem. Arranjávamos o cabelo de maneira diferente, vestiamos-nos de outra maneira… Os bonecos eram diferentes. Agora, a gente liga e não sabe que novela é, porque eles estão todos iguais. Não mudam de cabelo e só vestem roupas que se usam agora. É aflitivo. Isso aflige-me um bocado. Mas enfim, eles é que sabem. Se são felizes, continuem.

Há quanto tempo não faz uma novela?
Para aí há 15 anos. 

Sente que não tem o reconhecimento que merecia?
Não, não. Não sinto nada disso. Se eu não estou lá, é porque não faço falta. É tão simples quanto isso. Se não me chamam é porque não têm um papel para mim.

Mas de vez em quando fala nisso nas redes sociais. É em tom de queixa?
Não, é sempre em tom de gozo. Diverte-me. É dar um recadinho para ver se pelo menos mudam os penteados… [risos]. Às vezes, dá-me um certo gozo ver pessoas a fazer de mães e pais de pessoas que são quase da idade deles. Isso só me dá vontade de rir. 

À semelhança da Florbela, há muitos atores da sua geração que também não são chamados para televisão.
Quase todos e alguns a passar mal. Isso é que é muito grave e me deixa extremamente preocupada. Faz-me chorar muitas vezes… Deixa-me complemente de rastos. Os atores da minha geração são referências para esta gente toda que anda aí agora, tal como aconteceu comigo. Eu aprendi com os mais velhos, como o Raul Solnado, o Armando Cortês, a Eunice Muñoz, o Ruy de Carvalho… Não se aprende só a fazer. Aprende-se a ver e eles ensinaram-me. Mesmo quando eu não estava em cena, ia para a boca de cena só para os ver, para aprender. 

Acha que isso é uma lacuna para os jovens atores?
Bom, a verdade é que eles agora têm mais facilidades e outras formas de aprendizagem que nós não tínhamos. Já podem ir tirar cursos a Londres, aos Estados Unidos, já têm escolas cá sem ser só o Conservatório, como a escola do Carlos Avilez [ Escola Profissional de Teatro de Cascais]… Mas depois falta o contacto com os atores mais velhos.

Disse há pouco que tinha estado dois anos sem trabalhar. Passou dificuldades económicas?
Não. Eu tenho uma reforma e tenho dois consultórios. Dou consultas de Tarot e de Reiki. Claro que tive, e ainda tenho, os consultórios fechados por causa da pandemia, mas tenho a minha reforma. A casa é minha, não devo nada a ninguém. As minhas despesas são a água, a luz, tratar do cão e comer, por isso deu para me aguentar. 

Dá consultas há quanto tempo?
Há 30 anos. 

Como é que o Tarot e o Reiki surgiram na sua vida?
Desde muito cedo. Desde o tempo da D. Aida Baptista, que era uma taróloga fantástica. Ela é que me alertou para muitas qualidades mediúnicas e de mãos, de energia manual. Depois fui tirar cursos com a Maya, numa escola em Paço de Arcos, fui ao México, a Cuba, ao Brasil. Tenho vários cursos tirados. Mas só volto quando isto acabar. As máscaras tiram as energias. Podia fazer e há pessoas que fazem, mas eu não faço. Enquanto não puder estar energia com energia, não vou lá. 

Há muita gente que ainda tem preconceito com a tarologia?
As pessoas têm o direito de não acreditar, mas é preciso perceber uma coisa. Há quem diga que o Tarot adivinha e isso é mentira. O Tarot não adivinha, o Tarot aconselha, dá orientações. Mas depois as pessoas têm o livre arbítrio de fazer o que quiserem.

Tem muitos clientes?
Sim, antes tinha muita gente. Não sei como é que será agora, depois disto, mas antes tinha muitas pessoas.

Quando lê as cartas a alguém e vê alguma coisa má, diz?
Essa gestão tem de ser muito bem feita. Se vejo algum problema de saúde, recomendo logo uma ida ao médico. Vejo logo o que anda por lá, mas não se pode dizer. É como quando eu fazia Judo e Taekwondo… Eu podia matar uma pessoa com um golpe, mas estava proibida pela associação de fazer golpes na rua ou aleijar alguém. Por eu saber, não quer dizer que vá executar. 

Florbela Queiroz revela "paixão de mãe para filho" por Cristiano Ronaldo

Recentemente, contou que tinha uma camisola autografada do Cristiano Ronaldo que lhe foi roubada.
É verdade. Foi um grande desgosto.

Quando é que ele lha deu?
Eu estava a fazer o SIC 10 horas, um programa da Fátima Lopes, e eu fazia a tertúlia cor-de-rosa e rábulas com o César Mourão. E eu sempre tive uma loucura pelo Cristiano e pela família dele. É uma admiração enorme, gosto muito dele e acho que é um ser humano extraordinário. Ele ajuda as pessoas, ajuda crianças, preocupa-se… Ele é uma das marcas do nosso país e toda a gente sabe quem ele em todo o lado do mundo. E por causa de uma marquise, fizeram um escândalo do caraças. Fiquei furiosa! Há tantas marquises em Lisboa, deitaram abaixo o Monumental, que era um prédio fabuloso, e puseram lá aquela gaiola das loucas… Ninguém se importa. O Cristiano fez uma marquise e ‘ai jesus, que estragou o prédio’. 

Mas como é que ele lhe deu a camisola?
Como eu gostava muito dele, um dia a Fátima Lopes disse em direto, ao Cristiano ou à família, ‘esta mulher passa a vida nas reuniões a falar do Cristiano. Por favor, mandem-lhe uma camisola’. Ele estava em Manchester, na altura. Então, uns dias depois, recebi um envelope dos correios – isso é que foi fantástico – direto de Inglaterra, com uma camisola com a assinatura dele e dos colegas da altura, e com um bilhete escrito por ele. Foi espetacular.

Como é que a roubaram?
Eu tinha aquilo na embalagem, guardado. Era das coisas mais importantes da minha vida e, quando houve aqui uma fatalidade em casa, em que roubaram tudo, também foi a camisola. 

Tenho de lhe perguntar. Foi o seu filho, na altura em que houve aquela polémica toda?
Eu não quero falar disso. Peço-lhe desculpa, mas essa palavra é uma palavra que está fechada aqui em casa. Não se fala. Quando me levaram tudo – isto é geral – desapareceu tudo da minha casa. Foi tudo… roupa, joias… e a camisola. O que me importa não são as roupas, nem as joias, nem as pratas, nem os móveis antigos… É a camisola do Cristiano Ronaldo, caramba! Era do meu coração. 

Porque é que era tão importante para si?
Eu admiro aquela mãe, admiro aquele rapaz, e até já admiro a Georgina. Eles fazem um casal magnifico. Ela é uma mulher muito bonita e a maneira como ela trata aquelas crianças… São todos iguais, não há diferenças nenhumas. Isso é uma coisa que eu admiro profundamente. Admiro a família toda, mas tenho uma paixão pelo Cristiano Ronaldo. Uma paixão de mãe para filho. É uma coisa impressionante, ele é o meu menino de ouro.

Olha para ele como um filho?
Sim, sinto mesmo isso. 

Mas já o conheceu?
Nunca estive ao pé dele, nunca falei com ele, mas quando vou à Madeira, aquela estátua… Bom, a verdade é que não tem nada a ver com ele, mas mesmo assim, eu vou lá fazer festinhas. É uma coisa muito parva [risos]. Eu gosto de pessoas boas, percebe? Acho que a ingratidão é o pior mal do mundo. É a coisa mais feia. E aquele homem é maravilhoso. Com o dinheiro que ele tem, podia-se estar nas tintas para o país dele. E ele tem orgulho em ser português. Ele ajuda os hospitais, ajuda as pessoas, ajuda a Madeira, ele investe em Portugal. E tem uma grande gratidão pela mãe. Ela foi uma grande mãe, e só podia ser assim. Se bem que há casos diferentes… Há mães que nunca largam os filhos e depois… depois, pronto. Mas isso são outras coisas.

Essa admiração que tem pelo Cristiano Ronaldo como filho tem alguma coisa a ver com a sua história?
Gostava muito que me tivesse acontecido na vida. Quando eu falo do Cristiano e da mãe, não falo em dinheiro, nem no que ele lhe dá. É o amor que ele tem pela família, porque a família tem um grande amor por ele. Aquela mãe vinha da Madeira para cuidar do filho. E ele não faz por obrigação, faz por amor. Ele é um amor de pessoa e também está a educar muito bem os filhos. 

Também os sente como seus netos?
Exatamente [risos]. Estou a vê-los a crescer pelo Facebook. Outro dia vi-os todos vestidos de igual e o Cristianinho já de casaco… É uma delícia.

O seu sonho era conhecer o Cristiano Ronaldo?
Não, não. Não quero invadir a privacidade ele. Eu gosto muito dele ao longe. Aquela camisola era aquilo que eu tinha de mais perto. De vez em quando, tirava-a do saco, quando estava muito triste ou quando alguma coisa de mal me acontecia, encostava lá o meu coração e ficava assim, deitada, a recolher energias. É como o que a gente faz com a Nossa Senhora de Fátima ou com o senhor Buda, que tenho lá fora ao pé da piscina, no jardim. Todos os dias vou lá por uma flor e faço a minha oração ao senhor Buda. E agora tenho essa mágoa. Roubaram-me tudo, mas a camisola é que eu não perdoo. 

Essa mágoa não tem perdão?
Não, não. Quer dizer, perdoar, eu perdoei logo no dia a seguir. Mas não posso esquecer.

Não tem volta a dar?
Não tem. As pessoas são assim. Mas não vamos falar sobre isso, eu não quero que ninguém seja prejudicado. 

“Não quero cá estar mais tempo. Agora quero ir renascer para outra vida”

Tem 78 anos. Como encara o envelhecimento?
Sinto-me bem. 

Ainda não pensa terminar a sua carreira?
Se eu deixar de trabalhar, morro. No dia em que me disserem ‘não trabalhas mais’, eu morro.

A morte assusta-a?
Não, não. Esta vida não é só isto, é uma passagem. Eu até tenho um testamento vital… Se me der alguma coisa no coração, ninguém me pode reanimar. Se me quiserem fazer tratamentos, não podem fazer…

Se adoecer, não vai permitir que a Ciência lhe salve a vida?
Não. 

Porquê?
Porque eu não quero cá estar mais tempo, já cá estive muito. Agora quero ir renascer para outra vida. Não acredito que isto seja só assim, era um desperdício, não é? Fazer umas máquinas tão bem feitinhas para durarem só 90 anos? [risos] Não tenho nenhum medo de morrer. Quando for, vou.

Esperemos que daqui a muitos anos…
Esperemos que sim, mas uma pessoa sabe lá. Está a ir tanta gente… Tenho chorado por muitos colegas. Gente jovem, muito nova… Isso aflige-me muito.

Quando olha para trás, para a sua vida, o que é que recorda com mais carinho?
Vou-lhe dizer uma coisa que parece um bocado tonta, mas, tirando alguns cães que tive, que realmente foram a minha família, é o carinho do público. Eu desço a minha rua, a pé, e toda a gente me dá festinhas, toda a gente diz que tem saudades de me ver na televisão. Não há nada que pague isso.

Tem saudades de alguma coisa?
Da minha avó. Foi a única pessoa mesmo, mesmo importante para mim. Foi praticamente ela que me criou. Aliás, a verdade é que eu não fui criada por ninguém. A minha mãe e o meu pai eram muito novos, tinha quatro tios casados e nenhum tinha filhos. Era só eu e o meu irmão, por isso nós tínhamos uma data de pais e uma data de mães [risos]. Não havia diferença. Só a avó é que era diferente, a avó Aurora. Era a mãe da minha mãe. Comprava brinquedinhos e ia à escola levar-me, no meio das aulas. Quando eu era mais crescida, já trabalhava, ela ia para às matinés ao teatro, ao domingo, e metia-me mil escudos na mão. Naquela altura, eu é que lhe pagava tudo, a casa, a alimentação, etc, mas ainda assim, ela vinha dar-me aquele dinheirinho. Era aquela atitude, que mais ninguém tinha. Ela é a minha estrelinha.

Tem algum sonho por concretizar?
Gostava de continuar a trabalhar. O sonho que eu tinha, não consegui. Gostava de ter tido sete filhos, uma família grande. Almoçarmos todos juntos, ao domingo… Não foi possível, paciência.

Tem família próxima?
Tenho o meu irmão. Ele tem uma casa em Torres Vedras, mas vive em Inglaterra. E tenho dois sobrinhos magníficos, que também vivem em Inglaterra. Estão casados e um deles já tem dois filhos, mas raramente os vejo. 

Sente-se sozinha?
Não. Tenho o meu cão e tenho-me a mim. Tenho a Netflix, a HBO e tenho amigos e colegas. E tenho os meus compadres, que vêm cá a casa sempre que eu preciso de alguma coisa. Eles moram aqui perto. São pessoas muito queridas. 

Texto: Patrícia Correia Branco; Fotos: Impala

Siga a Nova Gente no Instagram