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Crónica de Francisco Guerreiro

É tudo uma questão de prioridades!

Qua, 04/11/2020 - 10:36

Qualquer pessoa a quem for recusado atendimento prioritário pode requerer a presença de autoridade policial a fim de ultrapassar essa recusa e fazer queixa, com coimas que variam entre os 50 e os 500 euros.

A palavra grega prin e a latina primos queriam dizer “antes, à frente” e tiveram como “descendente” a palavra prioridade, que, do latim prior (“anterior”), faz referência à anterioridade de algo relativamente a outra coisa, seja em termos de tempo ou de ordem. As prioridades são estabelecidas a partir de uma comparação. Uma prioridade é algo importante perante outras coisas e, desta forma, receberá mais recursos ou será satisfeita com maior celeridade. 

O Decreto de Lei n.º 58/2016, de 29 de agosto, veio instituir a obrigatoriedade de prestar atendimento prioritário às pessoas com deficiência ou incapacidade, pessoas idosas, grávidas e acompanhadas de crianças de colo (até dois anos de idade), para todas as entidades públicas e privadas que prestem atendimento presencial ao público.

Para mim, esta alteração nada mudou, até porque, norteado pelo bom senso, sempre cedi o meu lugar em transportes públicos e filas de espera a todas as pessoas com direito à prioridade, e mesmo a outras, que estivessem visivelmente aflitas, com pressa. Para mim, nada mudaria por aguardar mais uns minutos, mas estes podiam fazer toda a diferença para aquelas pessoas. 

Há umas semanas, estava eu em Bruxelas a trabalhar, e a minha mulher, que estava em Portugal com a bebé, precisou de se deslocar a um estabelecimento comercial para comprar alguns bens essenciais. Quem é pai/mãe de uma bebé de ano e meio sabe que mantê-la no colo, quando já anda e quer explorar e tocar em tudo, é complicado, sobretudo no contexto da COVID-19. Acresce que, com 12 quilos num dos braços, a mãe ainda precisa do outro para pegar nas compras. A missão era, supostamente, simples: entrar, levar o essencial e sair.

Ao chegar à caixa, naturalmente passou à frente e ouviu um senhor a dizer que “a fila era lá atrás”. Ao que ela respondeu com a legislação. A resposta foi algo como “não quero saber o que diz a lei”. Ela não se calou e exerceu o seu direito, chamando a colaboradora do supermercado, que prontamente lhe deu razão. Este grupo de pessoas não tem prioridade para incómodo dos demais.

É uma questão de equidade. Custa muito mais a uma grávida estar de pé, devido às alterações fisiológicas do seu corpo, ou a uma pessoa idosa com clara dificuldade em andar, do que a outras pessoas. A forma como tantas pessoas reagem a este facto pode inibir as pessoas de exercerem este direito. Recordo outro momento em que a minha esposa estava no início da gravidez, ainda sem barriga, mas com enjoos, quando se viu confrontada com a possibilidade de exercer o direito de prioridade. Mas ficou constrangida porque, sem barriga, poderiam achar que estava a mentir, apesar de a lei não obrigar a mostrar qualquer atestado.

Qualquer pessoa a quem for recusado atendimento prioritário pode requerer a presença de autoridade policial a fim de ultrapassar essa recusa e fazer queixa, com coimas que variam entre os 50 e os 500 euros, caso se trate de pessoa singular, e entre os 100 e os 1000 euros, se for colectiva. Idealmente, o bom senso seria suficiente para uma sociedade mais inclusiva e empática. Mas como, claramente, assim não é, a próxima vez que cedermos o lugar a uma grávida, pessoa com criança de colo, idoso ou com incapacidade, não estamos meramente a ser gentis: estamos também a cumprir a lei.

Texto: Francisco Guerreiro, eurodeputado

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