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Crónica de Francisco Guerreiro

Acompanhante? Não! Sou pai

Qua, 30/09/2020 - 12:40

O nascimento de um filho é também digno de atenção, devido à sua singularidade. Nesse momento, não nasce apenas um bebé, nasce também uma mãe e um pai.

Vivemos um dos momentos mais singulares da nossa  história. Digno de uma cápsula temporal. Os recortes de jornais deste período serão, certamente, lembranças muito peculiares no futuro. 
Não obstante, o nascimento de um filho é também digno de atenção, devido à sua singularidade. Nesse momento, não nasce apenas um bebé, nasce também uma mãe e um pai. Mas durante estes meses pandémicos, demos conta de notícias de mães infetadas que foram afastadas dos seus recém¬ nascidos e proibidas de os amamentar (contrariamente às recomendações da Organização Mundial da Saúde).

Mães que, por serem portadoras da COVID¬ 19, foram recusadas em hospitais privados. Mas, sobretudo, casos de mulheres que se viram vedadas da presença e apoio do parceiro, de pais que foram deliberadamente excluídos desse momento que também era seu por direito. A pandemia, a meu ver, trouxe consigo um retrocesso nos direitos da mulher e do homem na gravidez e no parto.

Felizmente, estive em todo o processo de gravidez com a minha mulher. Tivemos o apoio de uma doula e de uma equipa médica fantástica, especializada em parto humanizado, no Hospital Garcia de Orta, em Almada. Respeitando as nossas escolhas, e seguindo o nosso plano de parto, a Emma acabou por nascer de cesariana. Foi um dos momentos mais marcantes da minha vida. Mas tive sorte porque a Emma nasceu antes da COVID¬ 19.

Mas se já antes da pandemia sentia que, como pai, presente e cuidador, tinha de me impor, depois da COVID¬ 19 retrocedemos anos em direitos parentais, como o direito de assistir ao parto. Somos pais. Não somos acompanhantes. Fazemos parte ativa da gravidez. Por exemplo, em algumas consultas senti  que era excluído. Falavam com a minha mulher como se eu fosse invisível. A primeira vez que a minha mulher ouviu o coração da Emma, eu não o ouvi porque fiquei retido no corredor. Perdi esse momento. Mas, pelo menos, sabia que o parto ninguém mo podia vedar. 

Hoje, em pandemia, tudo mudou, e isso é devastador para os novos pais. Não podemos deixar que nos roubem este momento. Não se compreende que haja festas e procissões com milhares de pessoas, mas que depois o pai seja completamente afastado do nascimento do seu filho. A pandemia não nos pode tirar a humanidade do momento mais marcante da própria existência. O nascimento de um ser, de uma mãe e de um pai.

“Para mudar o Mundo precisamos de mudar a forma de nascer” – Michel Odent

Texto: Francisco Guerreiro (Eurodeputado Verdes/Aliança Livre Europeia); Foto: European Union 2019- EP/BB

 

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