Percebi pelas redes sociais que há mais uma tendência obrigatória, e se não a seguirmos somos uns ovos podres. Desta vez, não é uma receita mágica de emagrecimento pós-festas ou uma peça para vestir de uma das marcas da moda, cujos pontos são cosidos por criancinhas orientais sem lugar na luta dos preconceitos.
A vaga imparável deve-se ao filme Don’t Look Up (Não Olhem para Cima), uma comédia e uma catástrofe, segundo os rótulos escolhidos pela Internet, uma sátira política e social, ainda que a apreciação global do filme seja apenas razoável, na modesta opinião de um crítico de amendoins e minis, e não tanto de pipocas mais ou menos doces.
Mais do que os desempenhos artísticos do elenco, a vaga cresceu a pique por causa do retrato fiel dos dias cosmopolitas, em que um presidente tem de ser cool e um cantor quer ser actor. Não olhem para cima, manda o filme, pois diz-se que vem aí um cometa para estoirar com o Mundo, e desta vez nem os Estados Unidos nos valem porque isto vai mesmo ao ar.
A cultura do medo, da indiferença, da parvoíce e das mil teorias ignóbeis: está ali a sociedade, ainda mais ridicularizada, como se isso fosse possível. A tendência implantou-se com naturalidade costumeira, e fala-se do filme como um marco inigualável do exercício satírico, porque a malta tem de tomar consciência e coiso, etc. e tal, rebéubéu, pardais ao ninho. Porém, o problema é, afinal, o mesmo de sempre: é para o lado que não olhamos, e de pouco valem petições e protestos se a coisa é demasiadas vezes inconsequente e mora no cerne de cada um de nós. E mudar é coisa trabalhosa, mesmo com tutoriais, coaches e influencers à disposição.
O filme é banal, como acho os dias de hoje, para não castigar muito. Todos sabemos tudo, e fazemos fotos e alarde disso, batemos no peito cheio de ar e esvaziado de coerência, e mesmo que critiquemos este mundo estranho, continuamos a olhar para cima, a ver passar os aviões e à espera de que os magnatas voltem de Marte. De resto, tudo certo, o importante é o Benfica ser campeão, e ainda por cima, para mal dos meus pecados, nem isso me parece viável.
Texto: Carlos Leitão, fadista
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