Amor com amor se paga, diz-se desde que nos lembramos de existir, o mesmo aforismo que prevalece sobre quase todas as áreas mais mundanas. Nessa linha, é normal lembrar-me das relações amorosas, das trancadas do Paulinho Santos e do João Pinto, ou da triste realidade da guerra, e é sempre tão fácil justificarmos os nossos actos com os dos outros.
Se um youtuber despenha o próprio avião para obter mais visualizações ou o Rendeiro se tenta valer de uma suposta febre reumática da infância para se safar à choldra, então deseja-se o tratamento condizente para quem se faz de parvo ou apenas o é. Amor com amor se paga? Talvez não, nas asas da justiça desejam-se bons temperos e voos rasantes que não libertem margem para risadas de um povo já demasiado descrente da balança.
Quando um psiquiatra absolvido de um crime de violação que aguarda a expulsão da respectiva ordem aposta a presumível idoneidade para justificar a necessidade do senhor banqueiro levar “uma vida mais saudável”, a gargalhada é desculpável, ainda que o assunto seja sério o suficiente para caras mais fechadas. A liberdade está a passar por aqui, mas também não é preciso abusar, é que os tribunais são os mesmos onde desfilam, entre outros marginais, os agressores sexuais, esses cobardolas armados de dureza e complexos domésticos a que a sabedoria popular deseja sempre não as rápidas melhoras mas o procedimento adequado. E nestes casos, falsos pudores à parte, pouco espaço resta para as condescendências, afinal quem nunca pensou com o asco merecido: “E se aquela mulher agredida fosse minha filha ou minha mãe?”.
O risco é o mesmo para um youtuber, um banqueiro ou um agressor sexual. Se a justiça não fizer jus ao que a própria palavra encerra, o descrédito é inevitável, e não nos admiremos dos galopantes avanços mais populistas ou que sejam as próprias mãos populares a desenharem o Direito por linhas tortas. O menu está servido a gosto, haja pudor e vergonha na cara de todos nós, sob a pena capital de a democracia perder o crédito que tão dificilmente conquistou.
Texto: Carlos Leitão, fadista
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