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Crónica de Carlos Leitão

Dar à morte o meu melhor sorriso

Ter, 18/05/2021 - 18:15

O Presidente Marcelo, sobre Maria João Abreu, disse que “o humor, a emoção e a empatia ligam-nos aos outros, até aos outros que não conhecemos”, e a verdade é que, quando a morte vem buscar um artista, essa manifestação de angústia aleija-nos e deixa-nos desasados.

O Presidente Marcelo, sobre Maria João Abreu, disse que “o humor, a emoção e a empatia ligam-nos aos outros, até aos outros que não conhecemos”, e a verdade é que, quando a morte vem buscar um artista, essa manifestação de angústia aleija-nos e deixa-nos desasados, porque os cantores e as actrizes, quando bons, só devem sair do palco para voltar em encore.

A Maria João, é unânime, trazia a generosidade, o amor e a luz consigo, e é curioso que, numa época tão pesada, haja também o espaço na sociedade para as pessoas se quedarem sensivelmente aos que partem, mesmo sem os conhecer. Talvez seja assim que nos tornemos melhores, ou talvez seja apenas a alma a deixar-nos trazer à pele e à boca aquilo que o cinzentismo do passado nos escondeu.

Sinto a urgência das pessoas para chegar e ajudar, para homenagear em vida, para serem solidárias, para sorrir, e se abraçar árvores e sentarmo-nos de quatro a olhar para o sol ajuda, então venha um sobreiro e a praia de Carcavelos! Mesmo com jagunços e gunas a brincar ao dinheiro e ao poder, a adolescência anda, por nós, a regar valores que na minha adolescência eram apenas caretas, e isso é, afinal, preparar o futuro deles, e de quem vier depois. Também será por aí que eles pousarão os telemóveis e as navalhas com que andam a dar cabo da sanidade e da sensibilidade.

É triste ver partir o valor, o genuíno, a tolerância, o amor puro, tudo ouro verdadeiro para fazer brilhar um povo inteiro que tem andado distraído a enfiar as mãos no dourado do fogo para se queimar, mas à parte da tristeza, também se podem reconstruir esperanças e afectos, mesmo quando partem os outros que nem sequer conhecemos. Ainda há tempo.

A morte, sei-o, nada tem de conforto, mas como em tudo na vida, temos de lhe sacar um sorriso, nem que seja para a irritar! Tratar bem a saudade é bom caminho, e se o iluminarmos com a dignidade da Maria João, tanto melhor. A sua serenidade é o Santo Graal da nossa existência, e faz-me bem sentir-lhe o gosto, acalma-me a angústia que vai cá por dentro quando parte alguém, neste caso, até quem não cheguei a conhecer.

Texto: Carlos Leitão, fadista

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