Nacional
Crónica Carlos Leitão

Música por quotas e por todos

Qui, 04/02/2021 - 13:15

Em cima da mesa estão a discussão de quotas de música portuguesa e a cultura como solução da crise.

Andarmos a discutir quotas de música portuguesa nas rádios, à luz cinzenta de 2021, devia ser coisa para nos deixar frustrados. É a prova de um trabalho mal feito desde o início desta periclitante democracia. Não lhe subtraio a necessidade urgente de deixar chegar à frente a música portuguesa. A questão enevoada é, antes, que música consegue lá chegar e com que crivos?

Além dos “proclamados” por meia dúzia de editoras e agentes decisores que agora são virgens ofendidas da pandemia e da escassez cultural, as quotas nunca encerram a democracia necessária para o ecletismo. Nel Monteiro na Rádio Comercial ou Piruka na Antena 2 são quadros descabidos certamente, e não se esperam, mas mitigar as ânsias de músicos, artistas, letristas e produtores é lenitivo para uma realidade demasiado assustadora. E 30% serão uma manta curta, dirão muitos.

Discutir quotas é sempre um exercício reles e pequenino, revelador de fragilidade, enquanto país e enquanto povo. Patrocinamos estrelas de concursos quando, na verdade, não encaixamos neste jardim à beira-mar os que trabalham muito para lá de patrocínios “instagramáveis” e dos fáceis contos de fadas que nada têm a ver com música.

Mas venham as quotas, se isso significar comida na mesa para quem está fora do restrito círculo de intocáveis que nos representam sem procuração prévia! Venham elas, se isso servir para deixar a maioria espreitar só um bocadinho! E venham então se, como em qualquer outra área de negócio, a justiça da lei for regulamentar e punitiva, caso as promiscuidades continuem por cá.

A miopia desenfreada não me ilude, tão pouco espero que o fado (género musical que se traveste para ser moda) tenha destaque suficiente para “Um homem na cidade” antes do trânsito em hora de ponta. Nada disso. Mas mais do que quotas, opiniões, petições e afins, é no ensino efectivo da música desde as idades mais tenras, com critério e seriedade, que ainda defendo o sonho. Se assim for, formaremos gente intelectualmente capaz, desperta para não chegar ao ridículo de pugilar estéticas, mas os estereótipos da arte, em geral.

Um estudo recente diz-nos que está na cultura a solução da crise. De nada nos vale, se as gerações que aí vêm não lhe basearem a sua vida. E a culpa será de todos nós.

Texto: Carlos Leitão, fadista

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