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Crónica Carlos Leitão

Estado de emergência ou a emergência dos Estados

Qua, 28/10/2020 - 13:26

E a história lá vai sendo escrita, agora sem tinta permanente…

Era uma vez um país novato na dança das cadeiras do mundo. Irlandeses, mexicanos, africanos e chineses, entre tantos outros, inundavam de gente as lendas e as terras de índios e cowboys, perpetuadas por John Wayne e companhia, e ajudaram a moldar com mais ou menos plasticina os Estados Unidos da América, tal qual hoje os conhecemos.

Agora, pelas maviosas mãos de Donald Trump, a terra dos sonhos parece ter hipotecado o cor-de-rosa e adoptado o cinzento de um futuro estranho e cada vez mais longe das ambições que o Tio Sam perpetrara. Numa contagem decrescente para um desfecho em que não arrisco vaticínio, Joe Biden aposta na descredibilização do homem cor de laranja, cujos cabelos loiros já não fazem tombar impetuosos, como outrora.

Neste pantone político, Bolsonaro apaga as velas de dois anos de mandato, numa espécie de embrulho bélico a desafiar o equilíbrio e o bom senso gerais. O verde e o amarelo do país irmão ganham bolor e humidade à mesma velocidade da pandemia e, numa moda de recolheres obrigatórios, milhões e milhões de brasileiros rezam a São Judas Tadeu para que Bolsonaro cumpra o seu, definitivamente.

A Europa radicaliza-se de modo sustentado e gradual, as asinhas da extrema direita já lhe rebentam nas costas, e já nem a vermelhidão de leste parece ameaçar, quanto mais ressuscitar, saudosismos bafientos. Num contexto de limitações, restrições e proibições, não será de estranhar que o lirismo do chavão “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, dos apaixonantes franceses, se esfume na memória do decepado professor Samuel Paty e no que resta do tempo que Marine Le Pen vai calmamente descontando na ampulheta.

Por cá, finge-se uma ansiedade facilmente desmascarável pela aprovação do Orçamento de Estado para 2021. Um suspense de nível medíocre, sustentado por uma Assembleia da República imune ao pudor da populaça que ainda tem saudades, pelo menos, da distinção política de outras décadas. Soares, Cunhal, Sá Carneiro, Ramalho Eanes, tão diferentes, mas tão parecidos, no essencial.

Sobra-nos o magnificente Marcelo a mostrar os peitos às televisões e à vacina da gripe, com bravura de Aljubarrota. E a história lá vai sendo escrita, agora sem tinta permanente…

Carlos Leitão, fadista
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