Nacional
Conan Osíris

Revela passado dramático com o pai toxicodependente: «Não tens tomates para te mandares daí»

Sáb, 18/05/2019 - 21:21

Conan Osíris abre o coração numa entrevista marcante. O cantor falou com Daniel Oliveira sobre os episódios mais difíceis que viveu com o pai, que morreu na sequência do vício das drogas

Conan Osíris, nome artístico de Tiago Miranda, de 30 anos, foi o convidado de Daniel Oliveira na emissão deste sábado, dia 18 de maio, do programa da SIC Alta Definição. Uma conversa marcada pela luta interior do representante de Portugal na Eurovisão contra o bullying sofrido na adolescência e pela forma como lidara, anos antes, com a toxicodependência e a morte do pai.

O compositor e intérprete do tema Telemóveis começou por lembrar a invulgar ligação que tinha com o progenitor, para cuja casa «só ia no verão». E sem expectativas. «Era o que desse. Às vezes dava e era bué divertido e às vezes era tipo… ‘Não é fixe’. Já ia para lá do género: ‘É o que der’»

«Lembro-me de eu estar num muro e de ele me dizer: 'Não tens tomates para te mandares daí'»

Salientando que o pai o «salvaguardava da parte mais gráfica» do vício das drogas, Conan Osíris fala das «incongruências» do mesmo: «Ele protegia-me quando havia envolvências com outras pessoas. Mas quando era one-to-one… às vezes não me protegia muito. Havia conversas que, hoje em dia, sei que não eram propícias para a minha idade.»

E exemplifica: «Lembro-me de eu estar num muro e de ele me dizer: ‘Não tens tomates para te mandares daí’. De um segundo andar! Se eu fosse um puto burro, eu mandava-me e ia ficar com remorsos para sempre. Ficava só a pensar: ‘Tu és burro. Estás a dizer a uma criança para se mandar lá para baixo, para uma cena que é um esgoto, com ratazanas?’ Graças a Deus, tinha dois dedos de testa.»

Apesar disso, Conan Osíris não duvida do amor que o pai tinha por ele. «A minha mãe contava-me sempre: ‘Ele gostava mesmo bué de ti’. Fez sempre questão de bater nessa tecla. Lembro-me de ela me contar, quando ele já estava bué mal – eu nunca o vi a morrer, mas ela viu – que ele me queria ter escrito uma carta. Acho que começou a escrever, mas nunca a acabou. Era uma cena perdida no tempo. Uma carta para mim, escrita nos dias finais dele, que eu nunca vou saber o que é. Mas, para mim, isso é uma cena tranquila, porque eu aceitei que as cenas com ele eram sempre a meio. Sempre. E isso para mim tornou-se numa cena normal.»

«Doutora, o meu filho não curte futebol… Veja lá»

Tão normal que o representante de Portugal na Eurovisão nunca teve consciência do que motivava os comportamentos anormais do pai. «Só tive noção disso [da toxicodependência] depois de ele morrer. A minha mãe só me contou bué anos mais tarde. Não tinha noção. Ela própria… Vê cenas em fotos, sinais visíveis no corpo, e diz: ‘Isto já acontecia e eu não via’», revela.

Saudades, existem, mas não de forma convencional. «Não é uma saudade do tipo… Não quero parecer cruel, mas é do género: tenho curiosidade em saber como é que teria sido a minha relação com ele mas, ao mesmo tempo, sei que talvez iria haver dificuldades. Ele era aquele tipo de pessoa que, quando eu tinha um ano ou dois, me levou à médica de família e disse: ‘Doutora, o meu filho não curte futebol… Veja lá’».

«Tinha de ouvir aquelas pessoas para eu próprio me sanar com esses traumas»

Conan Osíris não revela qualquer rancor ou mágoa. Pelo contrário. Apesar do historial de adições, o músico confessa o exemplo deixado pela figura paternal: «O exemplo de seres uma boa pessoa e teres um bom fundo ainda que faças escolhas bué más. E ainda que faças 30 por uma linha, toda a gente gosta de ti. E continuares a ter esse amor na mesma. Porque ele fazia 30 por uma linha, nos tempos finais, à minha avó, à minha mãe (desaparecer as cenas…), mas queria muito redimir-se, ir para a clínica… Ia e depois fugia ou conseguia, vinha fixe e depois entrava [no vício] outra vez.»

Talvez por isso, anos mais tarde, já com a consciência do que matara o pai, Conan Osíris «tinha muita dificuldade em entender ou quase respeitar a cena de beber e das drogas». «Punha logo essas pessoas de parte. Não dava a chance de entender porque é que aquela pessoa necessita disso para sobreviver. Houve um certo momento que larguei isso tudo e comecei a querer ouvir as pessoas que eu não queria ouvir anteriormente. Isso fez-me crescer. Tinha de me confrontar e tinha de ouvir aquelas pessoas para eu próprio me sanar com esses traumas, dessas figuras que me tinham feito afastar desses mundos», confessa.

Texto: Dúlio Silva; Fotos: Impala, reprodução Instagram e DR

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