Aos 44 anos, que Raminhos é que eu tenho à frente?
Ui, só o facto de dizeres 44 anos pesa muito [risos].
Porquê? A tua idade mental é o quê?
Deve ser 16. Acho que temos uma ideia diferente dos nossos pais com 44 anos e esta geração com 44.
Eram uns velhos com 44 anos.
Sim. Vou ver uma foto do meu pai com esta idade e não tem nada a ver comigo. São gerações completamente diferentes. Acho que somos mais novos e mais cuidadosos, mas ainda assim acho que houve uma barreira psicológica em mim quando fiz 40 anos.
Tudo em ti é psicológico, aliás.
Exato [risos]. Penso muito nas coisas. Estou sempre a pensar em cenários que geralmente não são bons.
É o teu dark side [lado negro]?
Claro. Acho que toda a gente tem [pausa]. No meu caso, lido com uma ansiedade e com uma perturbação obsessivo-compulsiva, também conhecida como a doença da dúvida. A minha cabeça coloca-me dúvidas, que sei que à partida não são reais, mas por várias questões, por um desequilíbrio neuroquímico, por genética, como no meu caso, e outros também, não desaparecem por si só. E o curioso é que, quer num ansioso, quer numa pessoa com esta perturbação, estes pensamentos partem de uma premissa muito simples, que é o “e se…”.
Isso condiciona de forma muito sensível a tua vida no dia a dia?
Hoje em dia já não condiciona da mesma maneira, mas chegou a condicionar. O curioso é que este “e se...” é também o “e se...” da criatividade, o que me leva a criar comédia.
Porque é um escape?
Porque o “e se...” é a premissa da criatividade. Ou seja, tudo o que nasce na televisão, no cinema, na comédia, na arte em si, nasce da premissa “E se isto fosse diferente?”. Só que a maior parte das pessoas que lida com a ansiedade, com uma perturbação ou um transtorno relacionado com a ansiedade, usa esta premissa para o mal. Uso sobretudo para cenários catastróficos, e nem é, sequer, uma coisa consciente.
Hoje falas de saúde mental de uma forma leve, humorística e até pedagógica para muitas pessoas. Mas houve momentos em que isso foi doloroso para ti?
Ainda é [pausa]. Comecei a partilhar as minhas coisas de forma pública no início da pandemia, porque muitas pessoas começaram a surtar. Pessoas que, se calhar, até achavam que isso são coisas da cabeça e usavam muitas frases tipo “não penses nisso”.
E a expressão “Isso passa”...
Sim [risos]. Mas foi aí que comecei a perceber que podia dar a algumas pessoas aquilo que não tive, que foi uma identificação. Cresci a achar que só eu é que era assim.
Nesse sentido, calculo que aos 26 anos, quando és diagnosticado com essa condição, isso tenha sido um momento refundador. Ou seja, pelo menos havia um nome para aquilo.
Claro, é o clássico. É aquele momento em que se diz “Espera aí, mas afinal não sou só eu”, e foi aí que comecei a ir a um psicólogo. Passadas três ou quatro consultas, ele diz “Estás a lidar com estas questões, passas por isto, o teu cérebro funciona desta maneira e é por isso que isto acontece. Isto tem um nome, tem vários traços, existem várias modalidades e aspetos”. Nessa altura, comecei a mandar vir livros dos Estados Unidos sobre o tema.
Houve momentos em que sentiste que eras olhado como o “maluquinho”?
Senti.
Foi difícil sentir isso?
Mais do que difícil, foi castrador. Diziam-me que era o esquisitinho ou o nojentinho, porque os meus medos sempre foram de contaminação, de tocar coisas e apanhar doenças.
Tomavas banho 500 vezes…
Eram duas horas de banho, lavava as mãos não sei quantas vezes e cheguei a tomar banho com detergente para a loiça.
António Raminhos fala sem filtros
Leia a entrevista completa na edição da NOVA GENTE que já está nas bancas.
Texto: Nuno Azinheira; Fotos: Carlos Mendes
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