Nacional
António Feio

" Estou fragilizado"

Ter, 16/03/2010 - 16:41

Leia a grande entrevista do actor sobre a sua luta pela vida entre os tratamentos, novos hábitos, viagens a Madrid e o apoio imprescindível dos filhos, ex-mulher e amigos.

No espaço de um ano, o que mudou na sua vida desde que  descobriu o cancro
no pâncreas?

Absolutamente tudo. Nalguns casos até são pequenas alterações. Há hábitos que continuo a manter porque não fazem mal à saúde e são quase característicos do nosso dia­-a­-dia. Continuo a ser a mesma pessoa e a ter o mesmo tipo de actividade ou atitude perante as situações. Depois há um determinado número de coisas que não posso, não devo ou mesmo já não consigo fazer. Mas à partida tento levar a minha vida normal, quer pessoal quer profissionalmente.

A doença aproximou­-o mais dos amigos e da família?
Não tenho a menor dúvida. Primeiro porque amigos, pessoas próximas e mesmo aqueles que não me conhecem pessoalmente têm manifestado a sua preocupação comigo, falam­-me e escrevem­-me. No caso dos amigos mais próximos também tem havido um maior contacto, que tenho aproveitado com imenso gosto, porque há a oportunidade de estar com quem só falava de tempos a tempos. Isso tem sido uma mudança agradável. A doença não me trouxe só coisas más, também existem coisas muito boas e, essas, tenho aproveitado e usufruído com uma intensidade que me dá um prazer muito grande.

Está mais dedicado aos seus filhos e vice­-versa? Eles têm sido um grande apoio?
Não houve grandes alterações na nossa relação ou vivência. A não ser do interesse e preocupação que eles têm em relação à minha doença. Durante uns tempos, a Bárbara e a Catarina acabaram por viver comigo em alturas diferentes. É natural que os outros me liguem mais e apareçam para saber de mim e estar comigo. Querem saber como estou, como correu o tratamento ou a consulta, qual foi a opinião do médico. É normal porque tem a ver com o aparecimento de um “dado” novo que é uma doença. De resto, continuamos a manter o mesmo tipo de convívio e ligação que havia antes.

O que representa nesta altura da sua vida o nascimento de um bebé – seu primeiro neto – na família?

O nascimento de um neto é sempre uma situação para comemorar. Depois, para mim, é uma novidade e uma coisa muito boa que está prestes a acontecer.

Há a possibilidade da sua filha o surpreender baptizando­-o António?

Espero bem que não! (Risos) Não é uma ideia que me agrade muito, o que não quer dizer que se eles quissessem eu não aceitaria. Ela pode dar ao filho o nome que quiser! (Risos) Mas não vejo grande razão para lhe chamarem de António... Há nomes bem mais bonitos.Não sou muito a favor dos mesmos nomes passarem de geração em geração. Nunca achei grande piada a isso, só gera confusão quando, às vezes, entre primos, tios, avós, sobrinhos, se chama por um nome e respondem várias pessoas.
Mas é normal os filhos darem ao primeiro filho o nome da avó ou avô...
Pode ser, mas não estou nada nessa, nem isso me passa pela cabeça! Se o fizerem, tenho de respeitar, mas não é um factor de contentamento. Tanto me dá que seja António, Alfredo, Alberto...

Rapou o cabelo por livre iniciativa ou conselho médico?
Já sabia que o cabelo ia cair. Na primeira quimioterapia, o cabelo ficou fraco mas caiu pouco. Nestes novos tratamentos, com a introdução de um novo produto, a equipa avisou­-me logo que a partir da segunda sessão iria começar a cair-me o cabelo. Agora fiz a terceira e decidi rapá­-lo. Antes que ele caísse todo, tratei­-lhe da saúde!
As suas rotinas diárias têm mudado muito? Sente alguma diferença?
As grandes diferenças têm a ver com os tratamentos e com os efeitos secundários que obrigam-me a algumas alterações. Se estiver menos bem fisicamente e com menos energia é óbvio que não posso fazer o mesmo tipo de esforço, porque não tenho a mesma capacidade física. Quando fico realmente maldisposto e enjoado, isso altera­-me a vida porque há várias coisas que não consigo mesmo fazer e acabo por ficar em completo repouso à espera de melhores dias, melhores horas... Estas alterações têm a ver com a fragilidade física em que o tratamento nos deixa ficar.

Os hábitos alimentares mudaram radicalmente?
Era completamente carnívoro, mas a carne vermelha não faz nada bem a quem é saudável, quanto mais a quem tem este tipo de doença. Cortei, alterei, substituí um determinado número de alimentos que só me faziam mal. Neste momento, tenho uma alimentação mais saudável e cuidada. Muitos alimentos não são aconselhados a quem faz quimio porque provocam enjoos ou não contribuem para o bem-estar.

O que cortou definitivamente?

O álcool. Não bebo há um ano, nem tomo café. Há uma série de coisas que alterei e que me fazem alguma diferença, Mas há outras que alterei na maior tranquilidade...

O tabaco também cortou?
Cortei, mas depois voltei a fumar. Isso é daquelas coisas... E fumo com todo o gosto! É um vício terrível, mas prefiro isso ao desassossego que é ter vontade e não poder... e o stress que provoca! Optei por voltar a fumar para não sentir aquela ansiedade horrível que faz ainda pior à doença. Mas ainda consegui estar três semanas sem fumar...

Não são cansativas as deslocações a Madrid, para os tratamentos?
Sim, mas ir e vir a Madrid não me desgasta fisicamente. É uma hora para ir e outra para o regresso. Se calhar estou mais cansado no dia seguinte ou dois dias depois, devido aos efeitos da quimioterapia. Do aeroporto ao hospital demoro dez minutos, faço o tratamento e regresso. Costumo ir de manhã bem cedo e regresso ao fim do dia.

O que é para si mais difícil sob os efeitos da quimioterapia?
Os enjoos, o cansaço e a má disposição. A quimio é algo que nos debilita muito, porque além de destruir as células más, também destrói as boas.

Sente­-se mais frágil, menos activo ou vive com a intensidade de antes?
Continua a tentar ao máximo levar a minha vida normal, mas há certas coisas que já não consigo fazer da mesma maneira. Não consigo agarrar no mesmo tipo de pesos que agarrava antes, não consigo correr da mesma maneira e canso­-me muito mais na maior parte das vezes porque a resistência física diminuiu. Entre a boa disposição e a resistência física, o que é possivel fazer, eu faço!

Os tratamentos estão a ser eficazes? O que lhe dizem os médicos?

Quando se arranca para um tratamento novo, a perspectiva é de que este vai resultar. Até agora, os resultados têm sido positivos. Com estes novos tratamentos, do cyberknife e da quimioterapia, só fazendo os exames é que se pode saber.... Mas a ideia é manter-me optimista!

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