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All Aboard Family

Entrevista à família que largou tudo e foi em busca de um sonho pelo mundo

Qua, 03/04/2019 - 17:00

Filipe e Catarina decidiram largar tudo e embarcar numa viagem à volta do mundo em busca da felicidade em nome da família. Juntamente com o filho, Guilherme de um ano e meio, vão passar por 30 países diferentes e conhecer culturas e tradições que desconhecem.

Filipe Almeida, de 30 anos, tem uma doença renal desde muito novo e, em conjunto com a companheira, Catarina, e o filho, Guilherme, de um ano e meio, decidiram embarcar numa aventura pelo mundo, durante um ano. Uma vez que é doente crónico , Filipe realiza tratamentos de hemodiálise três vezes por semana, sendo uma inspiração para todos os doentes renais.

Durante um ano, Filipe, Catarina e Gui vão passar por 30 países diferentes e as suas rotinas vão ser devidamente programadas de acordo com os cuidados necessários à saúde de Filipe. Esta viagem tem como objetivo demonstrar que é possível integrar uma doença crónica e o seu tratamento com o levar a cabo de uma vida plenta e da concretização de um sonho.

Toda a jornada poderá ser seguida através do blogue criado para o efeito ou nas redes sociais, onde já se podem ver algumas imagens tiradas nas Bahamas, o primeiro destino escolhido.

A família partiu na passada sexta-feira, 29 de março, mas antes respondeu a algumas perguntas feitas pelo site da Nova Gente nas quais explicou tudo, mas mesmo tudo, o que envolve esta aventura. Ao longo da entrevista as respostas foram dadas em família, ou então respondidas individualmente pela Catarina, ou pelo Filipe.

«Somos todos peças de puzzle que se encaixam uns nos outros»

NG - Como surgiu a ideia de realizar esta viagem?

All Aboard Family (AAF) - Sempre gostamos de viajar e este gosto pelas viagens sempre foi muito mais meu do que do Filipe. Já viajávamos sozinhos, sem o Gui, desde que nos conhecemos. O Filipe sempre foi mais aventureiro e já me pedia há muito tempo para irmos viver para Bali e para fazermos coisas fora do comum. Eu trabalhava numa multinacional, como team leader de uma equipa há 4 anos e há 10 que já fazia parte da empresa, um dia cheguei a casa muito chateada e disse ao Filipe: ‘Vamos dar a volta ao mundo!’. Nesse dia fomos comprar um mapa gigante e começámos a planear.

De que forma conseguiram juntar meios suficientes para conseguirem visitar tantos países e ao mesmo tempo terem de vir a Portugal com alguma frequência para analisar o estado de saúde do Filipe?

Tivemos de fazer algumas opções e definir prioridades. Vendemos a casa, o tuktuk e o recheio da mesma. Também fomos juntando algum dinheiro. Não iremos ficar em locais de luxo, iremos procurar algumas opções cuja qualidade-preço seja boa. Voltaremos a Portugal apenas 4 vezes no total de um ano.

O Filipe tem uma doença renal, como vai ser feita esta gestão do estado de saúde? Vêm a Portugal para irem tendo uma segurança?

Primeiro procuramos países onde acreditamos que as condições para os tratamentos sejam boas. O meu estado clínico está estável neste momento, e por isso, acaba por nos trazer alguma segurança. Das quatro vezes que voltarmos a Portugal irei fazer todos os exames para garantir que está tudo bem para continuar com a viagem. Além disso, temos todo o suporte que a Diaverum, a empresa de hemodiálise que nos está a ajudar na parte dos tratamentos. Traz-nos também mais descanso saber que estão disponíveis para o caso de alguma eventualidade.

Que tipos de apoios vão ter no que diz respeito à doença do Filipe?

(Filipe) Eu já fazia diálise na clínica Diaverum de Linda-a-Velha, e é uma empresa de cuidados renais em que eu acredito e confio muito. Sempre me apoiaram na procura de diálise em Férias e mesmo em Portugal quando precisava de sair da minha clínica para outra. Nesta aventura acabámos por contactá-los para nos darem todo o suporte logístico e financeiro que precisávamos e prontamente reuniram todos os esforços para embarcarem connosco na aventura.

Ao longo de um ano vão visitar 30 países. Qual foi o critério de seleção dos destinos? Porquê durante um ano?

Haviam destinos que sempre estiveram na nossa lista e que sempre quisemos visitar. Alguns deles acabaram por ficar em standby até percebermos que era possível viajarmos para lá para fazermos os tratamentos. O critério principal é se têm hemodiálise ou não. Depois procuramos também destinos mais quentes uma vez que a logística é mais simples = menos casacos, gorros, meias e afins. Durante um ano porque financeiramente esperamos conseguir fazê-lo. Se tivermos apoios e suporte a outro nível, poderemos fazê-lo mais do que isso. Tudo dependerá.

Vão visitar alguns países europeus, mas também alguns um pouco mais longe de Portugal. Porquê começarem pelas Bahamas?

Esta viagem é a concretização de alguns sonhos: eu (Catarina) sempre quis ver os porcos nadadores, das Bahamas e, quando percebemos que a melhor altura para os visitar batia com o início da viagem nem olhamos para trás. Vamos visitar muitos países fora da Europa e adoramos fazê-lo uma vez que as culturas são bastante diferentes da nossa.

O Filipe recebeu a notícia de que sofria de uma doença renal quando tinha apenas 12 anos. Como foram os primeiros tempos?

Com 12 anos não percebemos muito bem o que nos está a acontecer e, por isso, nunca valorizei muito. Além disso, durante muito tempo, a doença não deu grandes sinais então eu praticamente nem me lembrava que a tinha. Foi mais para o final da adolescência que fui percebendo que tinha de ter cuidados e que um dia os rins podiam deixar de funcionar. Preferi não falar acerca disso e ir deixando as coisas acontecerem até me casar com a Catarina. Nessa altura falamos acerca do medo que eu tinha de morrer e ela do medo que tinha de ficar sem mim. Foi quando procuramos ajuda de um especialista que nos explicou que isso não iria acontecer e que, quando os rins falhassem, começava a fazer hemodiálise.

Como é que vocês se conheceram? Qual a reação da Catarina ao saber que o Filipe tinha este problema de saúde?

Conhecemo-nos no trabalho. Fui eu (Catarina) que fiz a integração do Filipe na empresa onde trabalhávamos e dizemos que foi amor à primeira vista. Ao início não se falava muito acerca da doença. O próprio Filipe não se preocupava muito com isso. Com o passar do tempo fui insistindo para sabermos mais e para tentarmos perceber de que forma podíamos atrasar a degradação dos rins. Para mim nunca fez qualquer diferença o Filipe ter ou não esta doença. O amor vê com o coração e para o nosso coração está sempre tudo bem. Nunca sequer ponderei que fosse diferente. Estamos nisto juntos para sempre e é uma doença que o Filipe transporta mas que é dos dois.

Estavam nas Filipinas, na vossa segunda lua-de-mel, quando descobriram que estavam 'grávidos', mas às 18 semanas descobriram que o bebé não poderia sobreviver. Como foi esse momento em que tiveram de se despedir do Francisco? Dois meses mais tarde a Catarina voltou a engravidar. Como foi receber esta notícia?

Foi um embate muito grande. O primeiro de todos. Queríamos muito ser pais e saber que aquele bebé não seria viável foi algo muito difícil de gerir. Tivemos de fazer o parto com 23 semanas, 5 meses de gestação, e foi um processo muito doloroso tanto fisicamente como psicologicamente. Fizemos um retiro a dois para o meio do Alentejo sem acesso a redes sociais nem a rede telefónica e falámos muito acerca do que aconteceu. Isto ajudou-nos a arrumar tudo no sitio e a estarmos disponíveis para receber outro bebé, quando tivesse de ser. E assim foi. Dois meses depois descobrimos que estávamos grávidos do Guilherme e explodimos de felicidade.

Ainda assim, antes do Guilherme nascer, ficaram a saber que o Filipe tinha de começar a fazer tratamentos de diálise devido à insuficiência renal. A vida voltou a dar-vos outra facada e a deixar-vos um novo desafio pela frente... O Filipe nunca deixou de trabalhar nos primeiros tempos em que começou a fazer a diálise?

Nunca deixei de trabalhar. A vida não podia parar e eu era responsável pelo bebé que tinha acabado de nascer. Comecei a fazer hemodiálise 10 dias antes dele nascer e costumo dizer que foram os 10 dias que tive para me habituar à ideia. Depois as coisas foram fluindo naturalmente. A Catarina era mãe solteira 3 noites por semana e, naqueles dias, era totalmente responsável pelo Gui, caso tivesse de ir ao hospital tinha de o fazer sozinha. Fomos adaptando a nossa vida e correu bastante bem. Conseguimos encaixar bem a diálise na nossa vida e ficamos gratos por existirem estes tratamentos que me dão a oportunidade de continuar a viver.

Como foi o nascimento do Guilherme? São ainda mais felizes agora?

Muito mais felizes, claro! A nossa vida faz muito mais sentido agora e queremos fazer as melhores escolhas para ele. O nascimento dele foi bastante rápido e tranquilo. Tivemos um apoio médico brutal que nos suportou muito. A nossa vida e a nossa família não faria sentido de outra forma. Somos todos peças de puzzle que se encaixam uns nos outros.

Vão iniciar a vossa viagem esta sexta-feira, como vai ser quando regressarem? Quais são os vossos planos futuros para quando aterrarem novamente em Portugal?

Não pensamos muito no futuro porque não sabemos que oportunidades vão surgir a partir daqui. Temos apenas a certeza de que queremos escrever um livro e criar alguns workshops que possam ajudar outras famílias a nível de viagens, de fotografias etc. 

Entrevista: André da Silva Carvalho; Fotos: Divulgação e Reprodução Instagram All Aboard Family

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