Nacional
Alexandra: a menina russa que sonha voltar a Portugal

«Quero ir aos 18 anos, para ver tudo com os meus olhos»

Seg, 08/04/2019 - 12:20

A 3 de abril, a menina russa cujo caso apaixonou Portugal fez 16 anos. Está uma adolescente, adaptada à vida na Rússia, mas mantém contacto com a família portuguesa que a quis adotar.

Esta segunda-feira, 8 de abril, Florinda e João Pinheiro estiveram à conversa com Cristina Ferreira no programa da SIC. Inicialmente foram apresentadas algumas imagens de Alexandra, numa entrevista, imagens essas que Florinda não quis ver.

João confessa-se feliz por saber que Alexandra, a filha que lhe foi roubada, quer vir para Portugal quando fizer 18 anos. Por outro lado, Florinda afirma que ao início tiveram muito medo que Alexandra se esquecesse da família de acolhimento.

Florinda nunca deixou de manter o contacto com a filha porque o pai biológico da menina sempre os ajudou a conseguir manter uma ligação com a família portuguesa. Florinda conta ainda que quando fez anos Alexandra lhe ligou e contou os parabéns em português.

Ao longo de toda a conversa, Florinda foi contando a Cristina Ferreira algumas das palavras que foi trocando com Alexandra após todos estes anos e a menina, que foi levada pela mãe em 2009, ainda vai recordando os momentos que viveu junto da família portuguesa.

«Quero ir aos 18 anos, para ver tudo com os meus olhos»

Em 2009, o caso de uma menina apaixonou a opinião pública, portuguesa e russa, e foi notícia e capa da NOVA GENTE. A russa Natália Zarubina conseguiu que o tribunal retirasse à família de acolhimento portuguesa a sua filha de seis anos, Sandra – Alexandra, para a família portuguesa –, e levou-a para a pequena vila de Pretchistoe, na região de Iaroslavl, na Rússia. Natália Zarubina foi, na altura, alvo de uma torrente de acusações. A casa onde vivia com a filha em Pretshistoe era praticamente uma barraca, ela era alcoólica e havia dúvidas quanto aos seus sentimentos maternais. Já na Rússia, soube-se que bateu na cabeça da filha quando esta começou a resmungar, o que suscitou o receio de que a menina pudesse vir a correr risco de maus-tratos.

Hoje, a jovem que foi notícia há uma década é já uma adolescente e completou 16 anos no dia 3 de abril. Alexandra é agora, definitivamente, Sandra e já leu e viu tudo o que escreveram e mostraram
nas televisões sobre ela. O que pensa ela da sua história e como vive agora? A NOVA GENTE visitou-a na cidade onde vive e colocou a seguinte questão à família biológica: quererá Alexandra regressar a
Portugal?

«Pareceu-me que os portugueses escondiam algo»

A NOVA GENTE foi visitar Sandra, a poucos dias de a jovem completar 16 anos. Os pés da equipa de reportagem enterravam-se na lama de março. Atualmente, a família de Sandra vive numa casa nova, um apartamentocom uma casa de banho normal, limpo e bem iluminado, mas com a mobília da casa antiga. Sandra tem o seu quarto com uma cama e uma escrivaninha. No outro canto do quarto está a mesa da irmã, que é pedicure e regressou para a casa da avó. No quarto não há computador. O televisor fica na sala grande, onde se reúne quase toda a família. A mãe, Natália Zarubina, vive em Iaroslavl, onde trabalha numa loja. Raramente visita Pretchistoe, mas, nesse dia, estava lá. «Que fico a fazer aqui? A apanhar bebedeiras e a ouvir mexericos?», perguntava-nos.

Na cozinha, onde peixe e frango descongelam para o almoço e a máquina de lavar a roupa está a trabalhar, bebemos chá e conversámos com a avó de Sandra, Olga Ivanovna. «Naquela época, pareceu-me que os portugueses escondiam algo. Eles não eram abertos, não diziam onde trabalhavam. Afinal, quem eram eles, que objetivo tinham? Eu desconfiei...», recorda Olga Ivanovna. A avó da jovem conta-nos que «eles continuam a convidar a Sandra para os ir visitar». Sendo, atualmente, a principal responsável pela adolescente, revelou-nos os conselhos que lhe dá. «Eu disse-lhe isto: ‘Sandra, quando tiveres 18 anos, se quiseres que através do Ministério dos Negócios Estrangeiros [MNE] enviem um convite... Quero que o MNE esteja ao corrente, pois hoje tudo pode acontecer e há pessoas que desaparecem. Receio pela sua segurança. Lá, em Portugal, não é melhor do que aqui!»

A mãe da menina, Natália Zarubina, entrou na sala para nos servir um chá e aproveitámos para lhe perguntar como reagiria se Sandra quisesse ficar em Portugal. Assumindo uma expressão de dúvida
em relação à possibilidade de isso vir a acontecer, Natália Zarubina afirma: «Pode ir visitar, mas o que há lá mais para fazer? Que futuro terá? Ela, lá, já não pode estudar. Onde vai trabalhar sem saber a
língua? Vai ser uma mulher da limpeza? Ela não está com muita vontade de ir. Tem outros planos».

Olga Ivanovna, a avó, sabe que a «última decisão» será de Sandra, mas, tal como a mãe da jovem, acredita que, em Portugal, o futuro da neta não será brilhante e teme por ela. «Será sempre como uma ‘cidadã de segunda’. Não sei quando é que ela irá compreender isso. Terá de abrir caminho, ter conhecimentos. Será difícil para ela», afirma. Curiosamente, era isso mesmo que se temia em 2009, quando a menina saiu de Portugal para ir viver para o país onde tinha a família biológica, mas piores condições de vida. »A nossa vida é normal, se olharmos para o nível de todo o país. Ajudamos os netos. Não está nada fácil com o emprego, mas todos vivem assim. Não somos milionários, mas eles [a família portuguesa] também não são. A Sandra não anda pior vestida do que as outras. Não passamos privações no que respeita à alimentação. A Sandra vai com as amigas ao cinema. Se estivéssemos melhor de dinheiro, iríamos ver teatro a Iaroslavl. Não podemos dar-nos a esse luxo, mas vivemos como tantos outros», diz Olga Ivanovna.​

«Não sou princesa»

Sandra não pensa na viagem a Portugal. Ou, se pensa, esconde-o. Tem 16 anos, um namorado, amigas, joga voleibol e chegou a hora de decidir o que quer ser. É boa aluna. Na mesa, estão bem ordenados
os cadernos e os manuais. À disciplina de Russo só tem notas altas, de quatro e de cinco. Pensa ser, talvez, jornalista e, após a nossa visita, satisfez um desejo: o de conhecer a redação de uma revista russa.

Lembramo-nos bem como, em criança, quando Sandra chegou à Rússia, não parava quieta um minuto. Estava sempre a correr, pela casa e na rua. Agora, porém, é uma jovem calma. De calças de ganga, t-shirt e camisa simples, tem uns olhos enormes e umas pestanas compridas que dispensam maquilhagem... Fala com muita ponderação e lembra-se de muita coisa. «Recordo que a família em Portugal era grande, todos sentados à mesa. Recordo que, quando vim para cá, pensava ver neve, mas o tempo estava como hoje [Natália Zarubina levou a filha para a Rússia em maio].» A sua história já nem é motivo de conversa com os amigos e o namorado. «Claro que todos recordam, mas não abordamos esse tema. É uma questão familiar. Eu era pequena, não compreendia, mas, hoje, penso que isso faz parte do
passado. Já passou muito tempo», diz Sandra.

Conta-nos que mantém contacto com Florinda e João Pinheiro. «Sim, correspondemo-nos. Eles escrevem-me em português, eu traduzo com ajuda da Internet e respondo-lhes da mesma forma. Temos relações normais, ninguém tem nada contra ninguém.» Quando lhe perguntamos, confirma que quer voltar a Portugal e até já sabe quando. «Não quero ir com a idade que tenho, quero ir quando fizer 18 anos, para ver tudo com os meus olhos.»

No fim da nossa visita, Sandra veste o casaco de inverno, puxa o carapuço para a cabeça e saímos para a rua. Dirigimo-nos para o local onde era a casa para a qual foi viver quando chegou à Rússia e que, para a família portuguesa, simbolizava o inferno. Foi destruída e hoje só existe um descampado, onde tencionam construir um supermercado. Ficámos em silêncio, a sentir o vento húmido, quando, em jeito de despedida, lhe dizemos: «Olha, princesa, à tua volta continua a existir uma história que já tem dez anos». E Sandra, a menina que costumava adorar vestidos cor-de-rosa, escondeu o nariz no cachecol, revirou os olhos e respondeu: «Eu não sou princesa».

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Texto: André da Silva Carvalho com Olga Prokhorova; Fotos: Impala

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