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Adoção de animais

Há mais cães e gatos em casa porque nos tornámos mais humanos

Dom, 09/05/2021 - 09:10

Em 2020, houve um aumento de adoções de animais de companhia em Portugal, mas também de abandonos. Especialistas acreditam que são os efeitos da pandemia de COVID-19.

Mais 15 por cento quando se fala em cães e 78 por cento no que diz respeito a gatos. São estes os números referentes ao aumento de adoções assinaladas, em 2020 e comparativamente ao ano anterior, no Sistema de Informação de Animais de Companhia (SIAC), plataforma que, desde 2019, reúne os registos, obrigatórios por lei, de cães, gatos e furões. O sentimento de solidão provocado pelo isolamento social que advém da pandemia de COVID-19 é a causa apontada pelos especialistas contactados pela NOVA GENTE. Há, porém, um dado a ter em conta: se as adoções aumentaram, o abandono de cães e gatos também sofreram um incremento.

Olga Rute Silva, da Condeixa Pa’tudos - Associação de Proteção Animal de Condeixa, no distrito de Coimbra, confessa que a melhor memória que tem de 2020 é a semana em que deu 17 animais. Não sabe precisar qual, nem se atreve a definir esse ano como um dos que teve maior sucesso, mas avança com uma explicação para o interesse de “pessoas de todo o país” na busca de uma “companhia para a vida”: “O teletrabalho, o desemprego, o confinamento. Tudo isso levou a que ficássemos todos mais sedentários, a que passássemos mais tempo em casa. A verdade é que as pessoas mudaram o seu estilo de vida. Deixaram de não ter tempo, porque queriam ir jantar fora, queriam ir sair à noite, para se dedicarem mais, mesmo tendo sido obrigadas, a atividades caseiras. Ficaram mais domésticas”, vaticina à nossa revista.

“O que isto significa, claro, é que houve um retorno dos laços familiares que estavam perdidos. A pandemia tornou-nos mais humanos e mais afetivos. Mais amigos de todos. E isso reflete-se, também, no sentimento que desenvolvemos pelos animais”, acrescenta.

O bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários, Jorge Cid, é da mesma opinião: As pessoas passaram a estar “mais tempo em casa para poder desfrutar dos benefícios de ter um animal de companhia”. Além disso, servem uma função primordial nesta época negra que o mundo atravessa. “Tem uma função essencial para o equilíbrio emocional”, frisa, em declarações à Lusa, chegando mesmo a ser, em alguns casos, a “única razão para que essa pessoa sinta que é necessário estar viva e que ainda tem alguma utilidade na vida, que é alimentar e tratar o seu animal de companhia, que trata como um elemento da família”.

Também há mais animais abandonados

Se a adoção de animais de companhia teve um aumento significativo, o seu abandono também se fez notar. À mesma agência, em fevereiro passado, a presidente da Liga Portuguesa dos Direitos do Animal (LPDA), Maria do Céu Sampaio, contou que cães e gatos que estavam aos cuidados de pessoas que foram internadas com COVID-19 ou de vítimas mortais acabaram por ir parar às ruas. “É uma altura muito má também para as associações que têm abrigos porque têm muita dificuldade em conseguir alimentação para os seus animais. Nós, por exemplo, temos 200 animais que temos de alimentar todos os dias”.

A Animalife, associação de combate ao abandono de animais de estimação, fala numa taxa de abandono entre os 10% e os 20%. “As dificuldades económicas decorrentes da pandemia, provocadas, por exemplo, por situações de desemprego, são a principal causa invocada para justificar o aumento do número de animais abandonados neste período, com quase metade das associações a apontarem esta como a principal justificação”, disse a organização.

A responsável pela Condeixa Pa’tudos - Associação de Proteção Animal de Condeixa, que por estes dias tem cerca de 30 cães e 15 gatos à espera de encontrar uma família, fala em “animais loucamente abandonados”. “Temos recebido muitos pedidos de ajuda de pessoas que perderam as suas casas. Essencialmente, de muitos jovens, trabalhadores-estudantes, que já eram autónomos e independentes, mas que deixaram de ter os seus empregos, que deixaram de poder pagar contas e que se viram obrigados a regressar a casa dos pais. Muitos não conseguiram levar os animais que tinham adotado anteriormente, seja porque os pais não queriam, seja porque já tinham os seus cães e os seus gatos”, salvaguarda.

Olga Rute Silva acrescenta que tem “aceitado muitos animais com dono”, porque são eles “os primeiros a ser descartados”. E quando o pior já tiver passado e as pessoas puderam voltar a andar nas ruas de forma mais descontraída e não forem obrigadas a estar tanto tempo recolhidas nos seus lares, será que o abandono desses animais vai aumentar ainda mais? “Independentemente da pandemia e dos efeitos que esta está a ter no nosso quotidiano, preocupa-me sempre as pessoas que, de forma leviana, adotam animais. Com isso é que é preciso ter sempre cuidado, seja em que altura for. É preciso não esquecer que um animal não é uma imagem que vemos num computador. O animal é a história dele. E é a história dele que adotamos. Com ou sem COVID-19”.

Aumento de adoções lá fora

Se, por cá, a procura de cães e gatos subiu, no Brasil superou todos os números. Só na cidade de São Paulo, avançou a CNN, houve um aumento de 400 por cento de adoções de cães e gatos. "Muitas pessoas que não pensavam nisso estão a dar esse passo e a conviver pela primeira vez com animais e estão a adorar", disse Vanice Teixeira, presidente da União Internacional Protetora dos Animais (UIPA), apontando o combate ao isolamento provocado pela pandemia como uma das principais causas.

Nos Estados Unidos, em maio do ano passado, associações de resgate e abrigo de animais em 11 estados também registaram um crescimento na procura de cães e gatos. Aliás, pela primeira vez, um canil do abrigo Palm Beach County Animal Care and Control, na Florida, conseguiu dar todos os cães que tinha ao seu cuidado. A razão não difere: “Acho que se deve a uma combinação de as pessoas se sentirem sozinhas com terem mais tempo disponível [durante a quarentena]”, referiu Katy Hansen, do Animal Care Center de Nova Iorque, ao jornal “The New York Times”.

Texto: Ana Filipe Silveira; Fotos: Pixabay e Instagram

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