Os ataques terroristas do 11 de setembro de 2001 contra os Estados Unidos, coordenados pela organização fundamentalista islâmica Al-Qaeda, provocaram 2996 mortos em poucos minutos. O padre Mychal Judge, capelão do corpo de bombeiros de Nova Iorque desde 1992, foi a primeira dessas vítimas.
Estava na Torre Norte do World Trade Centre, a segunda a ser atingida pelos terroristas, que sequestraram quatro aviões de passageiros e os despenharam contra aquele complexo empresarial (um primeiro avião tinha embatido na Torre Sul, o terceiro colidiu contra o Pentágono e o quarto caiu num campo aberto próximo de Shanksville). Mychal Judge tinha 68 anos e tinha-se dirigido ao local, depois do primeiro embate, a pedido do então mayor de Nova Iorque, Rudolph Giuliani (que viria a ser eleito personalidade do ano 2001 pela revista Time devido à sua gestão da resposta aos ataques).
“Jesus, por favor, pare com isto agora! Deus, por favor, pare com isto”. Terão sido estas as últimas palavras do padre, citadas por um repórter fotográfico da Reuters, Shannon Stapleton, que se encontrava no local a fazer a cobertura do que aconteceu naquele dia 11 de setembro. O seu corpo foi encontrado pelo agente da polícia Bill Cosgrove, que tropeçou, literalmente, no seu corpo e o retirou do local juntamente com um grupo de bombeiros. O momento ficou registado numa imagem.
“Ele está nos meus pensamentos desde esse dia. Acredito verdadeiramente que a única razão pela qual estou aqui é por causa dele”, explicou, referindo que foi o facto de ter carregado Mychal Judge para longe dos destroços que o fez evitar a morte: “Todas as pessoas que estão naquela fotografia ficaram vivas. Tenho a certeza de que se ele não estivesse ali, eu teria continuado a procurar outras pessoas e, quando a Torre Norte caiu, eu estaria bem no meio dela”.
Primeira vítima do 11 de setembro trabalhava com sem-abrigo e alcoólicos
Este padre franciscano não era apenas conhecido no quartel de Nova Iorque, mas em toda a cidade. O seu trabalho com os sem-abrigo, com imigrantes e, em especial, com alcoólicos era inquestionável, até porque ele próprio tinha sofrido com este vício entre 1971 e 1978, deixando-o com o apoio dos Alcoólicos Anónimos. Além disso, dava especial atenção a doentes com SIDA (síndrome de imunodeficiência adquirida) e à luta pelos direitos dos homossexuais, ou não tivesse ele mesmo admitido ser gay, mas fiel ao voto de castidade que tinha feito. “Acha que Deus me odeia?”, ter-lhe-á perguntado um homem que estava às portas da morte, vítima daquela síndrome, enquanto Judge lhe dava a extrema unção. O capelão “abraçou-o, beijou-o e embalou-o silenciosamente nos braços”, lê-se, num dos muitos documentos sobre si.
O dia do seu funeral, que teve direito a transmissão televisiva, mostrou a importância que Mychal Judge teve para Nova Iorque: “Estavam três mil pessoas nas cerimónias", afirmou o seu discípulo, Father Michael Duffy. "A igreja não era suficientemente grande para todas. O Bill Clinton estava lá, a Hillary Clinton estava lá… estava lá a cidade".
O corpo de Mychal Judge foi o primeiro a ser retirado do chamado Ground Zero e o primeiro a ser identificado, tendo ficado conhecido como a vítima número 1 dos ataques do 11 de setembro. A sua certidão de óbito tem marcado um número na parte superior: “1”.
Texto: Ana Filipe Silveira; Fotos: Reuters
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