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Doações De óvulos

Um milagre da ciência

Seg, 02/09/2013 - 12:45

Pensa mesmo que já não pode engravidar?
A doação de óvulos é uma das soluções para
a infertilidade nos limites do que a ciência
consegue fazer: manipular os órgãos reprodutores
femininos, para que alguém possa ter filhos,
mesmo que nunca tenha ovulado na vida.
Há mulheres que chegaram à idade adulta com
a certeza de que não seriam mães. Mas, afinal...

"Foi para ajudar outras mulheres, que querem ser mães mas não conseguem, devido a vários fatores”, que Joana (nome fictício para se manter no anonimato), gestora financeira, 28 anos, decidiu doar óvulos para serem usados em tratamentos de fertilidade, possibilitando que mulheres que não conseguem ser mães realizem o sonho de uma vida.

Claro que não foi pelo dinheiro [650 euros]”, esclarece, acrescentando que já completou um primeiro processo de doação, e, entretanto, foi chamada para um segundo. Legalmente, está assegurada a confidencialidade entre mulheres dadoras e casais recetores de óvulos, mas o anonimato, embora seja a regra na maioria dos casos, não é juridicamente obrigatório. “Eu, por mim, não sinto necessidade de conhecer a família ou a criança que venha a nascer dos meus óvulos” garante, relatando também que é casada e tem uma filha.

O marido e a família acompanharam-na neste processo longo, complicado e clinicamente arriscado, ainda que, no início, com algumas perguntas: “Então e se eles tiverem curiosidade, ou tu tiveres vontade de conhecê-los, como é?”

A dadora esclarece que este ato, para ela, é comparável a dar sangue: “Estamos aqui para nos ajudarmos uns aos outros. Eu já sei o que é ser mãe. Conheço a alegria enorme de ver uma filha sorrir. Quis ajudar alguém a também poder viver esse sentimento. Ver sorrir uma filha dela. Uma filha que ela própria gera, e que, por isso, é filha dela, e ponto final...”.

Na sua opinião, “é um facto que sem um óvulo não se gera um novo ser... Mas, se não fosse o corpo onde vai nascer, ele também nunca existiria! A dadora dá o óvulo, e, para ela, o processo acabou. O resto, é com a mãe!”. Paulo Vasco, ginecologista, especialista em reprodução humana e infertilidade conjugal, que trabalha na Ava Clinic, em Lisboa, explica que os casais que descobrem que não podem ter filhos com o seu material genético passam por várias fases.

Até há quem ache que a inteligência e as capacidades académicas e intelectuais se transmitem, pura e simplesmente, através da maternidade e paternidade. Muitas destas famílias inférteis entram em depressão, recorrem a todos os centros e clínicas possíveis, em busca de outras opiniões... Experimentam dificuldades de aceitação do facto, sentem angústia, ansiedade, e, em muitos casos, acabam por separar-se. Por outro lado, também podem ter grandes desconfianças em relação ao processo de gerar um filho com os óvulos de outra mulher.

A clínica exerce um papel de esclarecimento e aconselhamento legal e psicológico, etapas que são obrigatórias no processo. As taxas de sucesso das gravidezes geradas por doação de óvulos são de 50 a 60%, mas Paulo Vasco sublinha que “nunca se sabe. O tratamento vai constituir sempre um teste ao útero e ao organismo da mulher”.

O procedimento pode não ter o final feliz que se traduz num nascimento, e, nesses casos, a sobrecarga emocional para o casal é extremamente forte. Mas, quando se cumpre a tal estatística dos 60%, “é uma grande alegria, que é encarada praticamente como um milagre”. Até à criança ter, de facto, vindo ao mundo em boas condições, o sentimento vai sendo, durante os nove meses, este: “Não acredito que isto seja possível.” No final, “acabámos com esse mito de impossibilidade”, relata.

O ginecologista e obstetra recorda um caso clínico que conduziu há algum tempo num meio pequeno e provinciano, com uma mulher que, desde muito nova, tinha quistos enormes nos ovários. “Só a gigantesca vontade de ter filhos a impedia de retirar os ovários. Veio falar comigo e propus-lhe extrair os ovários e manter o útero, recorrendo à doação de óvulos. Engravidou imediatamente, mas quando dizia, na região onde vivia, que ia ter filhos, até os médicos lhe respondiam que ela era louca! A maternidade dela foi considerada algo parecido com um milagre, e eu fui quase classificado como um feiticeiro.”

Mesmo assim, estes não são os seus casos de sucesso mais inacreditáveis, mas sim aqueles em que as mulheres, por limitações anatómicas e de saúde, parecem não poder, de forma alguma, gerar crianças. Ou seja, aqueles em que o médico consegue manipular os órgãos reprodutores da mulher, fazendo com que estas passem “da possibilidade zero para a hipótese real de serem mães”.

O enquadramento legal da doação de óvulos existe desde 2006: é uma prática estabelecida, sem quaisquer zonas de legalidade discutível, embora, para alguns elementos mais conservadores ou religiosos da população, possa ser eventualmente polémica. Em clínicas privadas, que são, na prática, os locais em que é mais viável fazer este tratamento (devido às limitações do Serviço Nacional de Saúde), ele custa, no entanto, cerca de seis mil euros.

A regra seguida pelas entidades médicas é a do anonimato da dadora e do casal que recebe os óvulos, mas é legalmente possível, e já aconteceu, a família dizer: “Nós queremos que a mulher x ou y seja a dadora dos óvulos.” O que pode acontecer é que essa vontade não seja possível de concretizar na prática: imagine-se, por exemplo, que a mulher em questão já tem mais de 37 anos, fazendo com que a sua fertilidade seja muito mais baixa – os seus óvulos não têm, portanto, as características aconselháveis para utilizar neste procedimento.

AS DÚVIDAS DOS CASAIS

Ana Oliveira Pereira, psicóloga que trabalha na área da infertilidade, esclarece quais são as perguntas dos casais que recorrem à doação. “Uma delas tem que ver com a preocupação em perceber se a dadora é saudável, física e psicologicamente, pelo que é imperioso dedicar muito tempo a esclarecer e clarificar de que forma é feita a avaliação e seleção das dadoras. O protocolo de doação da Ava Clinic, onde trabalho, e que está certificado, estabelece regras muito rigorosas, que são apresentadas de forma explícita aos casais, de maneira a que possam iniciar o processo com a máxima confiança. São feitas análises rigorosas que garantem a saúde da dadora e do óvulo. A segunda preocupação mais frequente está relacionada com a questão de contar ou não aos filhos que foram concebidos com recurso a doação de material genético. É importante discutir as vantagens e desvantagens de revelar ou não. E sugerir estratégias que ajudem o casal a tomar a decisão.”

Se os dois conseguem uma boa aceitação psicológica da doação, a gravidez não implica perturbações emocionais extra. Mas é de esperar que possa haver algum receio sobre as características físicas do bebé, pelo facto de se desconhecer a dadora. Medos que, depois, desaparecem.

Todos os casos de sucesso em que a psicóloga trabalhou lhe trouxeram grande satisfação, mas não pode deixar de referir “as situações das mulheres com síndrome de Turner, que, muitas vezes, cresceram com a ideia que nunca poderiam vir a ser mães. Saberem que podem engravidar e gerar uma criança traz-lhes uma enorme felicidade”.

A especialista afirma que os outros casos que mais a sensibilizam são aqueles em que as mulheres, muitas vezes profissionais de grande sucesso, carregam uma culpa desmedida por terem adiado a maternidade, quando muitas vezes não foram suficientemente alertadas para o risco de infertilidade que isso implica.

As notícias sobre gravidezes de sucesso em idades tardias pecam por não clarificarem que a maior parte recorre à doação de óvulos. Ainda esta semana li que uma atriz dos EUA iria ser mãe aos 47. Mas não se refere que só o pode ser com recurso a esta técnica. Basta pesquisar as estatísticas sobre a fertilidade para perceber essa realidade..."

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