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Crónica de Francisco Guerreiro

Prisão para quem partilha nudes!

Qui, 25/02/2021 - 16:05

Há uma percepção, talvez errónea, dada mesmo pela própria classe política, que os políticos sabem falar de tudo e conhecem, de trás para a frente, o código civil e o penal.

Há uma percepção, talvez errónea, dada mesmo pela própria classe política, que os políticos sabem falar de tudo e conhecem, de trás para a frente, o código civil e o penal. Bem, no meu caso não me banho nesse pretensiosismo e assumo que foi com espanto que soube que a partilha de conteúdos íntimos sem autorização do próprio, em qualquer formato digital, possui um regime jurídico muito aquém do necessário, face aos impactos que esta prática tem para com as vítimas.

Passo a clarificar. Dentro de uma relação conjugal, esta partilha sem consentimento já pode ser tida como crime público, pois é considerada violência doméstica (crime punível de 2 a 5 anos de prisão). Porém, se esta partilha sem consentimento, por captura ilegal ou partilha não autorizada, acontecer sem haver uma relação conjugal, o crime cai no âmbito da devassa da vida privada e não é considerado crime público, sendo a sua moldura penal máxima até 1 ano de prisão.

A proposta que a deputada Cristina Rodrigues, com largo apoio da sociedade civil e de várias organizações dos direitos das mulheres, faz é para que haja uma harmonização da lei para todos estes casos e que as vítimas sejam efectivamente protegidas.

O bem jurídico em causa deixa assim de ser o da reserva da intimidade e da vida privada e passa a ser o da liberdade e autodeterminação sexual, capacitando as vítimas a reagir legalmente a esta grotesca invasão da sua liberdade sexual. Invasão esta que, no período pandémico que vivemos, sobretudo entre os mais novos, tem crescido de dimensão e tem afectado, profunda e violentamente, muitas vítimas.

Agoniantes, mas não surpreendentes, são os comentários que emergem nas redes sociais sobre esta proposta, maioritariamente de perfis associados ao género masculino. Demonstram bem o quanto falhámos como sociedade em educar para a cidadania e para a compaixão ao próximo. Sinais de uma cultura amorfa e imersa no tradicionalismo e sexismo, mas nada que não tenha os seus dias contados.

Texto: Francisco Guerreiro, eurodeputado

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