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Crónica de Carlos Leitão

Portugal, o crime perfeito

Qui, 15/04/2021 - 07:00

É neste contexto fúnebre que entregamos o ouro aos bandidos bem debaixo das nossas barbas que tanto cresceram à espera da justiça anunciada por Abril. Nada disso.

Agora que o País sucumbe à verdascada da justiça e da mais promíscua vassalagem, escancaram-se as portas, já de si entreabertas, ao populismo que não cabe em petições contra o Ivo ou os Venturas desta vida. Portugal assinou, por estes dias, a certidão de óbito do que ainda restava de uma espécie de fé meio profana, e de um povo demasiado triste para continuar a acreditar.

Neste tropel em que nos atropelamos na caça às bruxas, os bruxos desfilam nas avenidas da liberdade guardando nos bolsos o espólio dos sonhos de gerações inteiras. E como, quando toca a eleições, o rebate dos votos fica encaixotado na profícua caixa negra da abstenção, de pouco nos vale o arrependimento.

É neste contexto fúnebre que entregamos o ouro aos bandidos bem debaixo das nossas barbas que tanto cresceram à espera da justiça anunciada por Abril. Nada disso. A hora é de nem sequer promover aparências, já nem é preciso, antes de favorecimentos colaterais de um país que se prostitui com requintes de meretriz definhada em perfume patchouli, armada aos cucos e aos saltos agulha.

São os “donos disto” que rezam a história, aliás como têm rezado sempre, não com respeito, mas com aquele respeitinho de quem se acanha e não mostra os dentes. O sentido é único, repetível como em tudo nos ensinamentos da História, mas único, e não há pandemia que nos valha para crermos que tudo ficará bem.

Absortos nesta tacanhez paralisada, entregamos ainda a alma ao Criador e rezamos para que o estrago não seja total, e Nossa Senhora, se tudo correr como normalmente, fará o resto para gáudio das hostes. Não se trata de pessimismo meu, ainda que me seja intrínseco, mas há uma frustração generalizada ao ver a justiça e a política a confundirem-se e a não o serem, e isso não estava previsto em democracia. Era suposto ser diferente, e como não o é, não nos admiremos com os próximos episódios deste enredo que – lembremo-nos – começou com um filho a bater na mãe. E até isso prescreveu.

Texto: Carlos Leitão, fadista

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