Nacional
Carminho

'O fado é o meu maior amor'

Sex, 02/03/2012 - 11:54

Canta fados e o que lhe vai na Alma. O dueto com Pablo Alborán popularizou­-a em Espanha numa canção pop. No novo disco assume­-se fadista.

Em Alma, o seu segundo álbum, lançado esta semana volta a trilhar o caminho do fado tradicional... É com esse género que se identifica, definitivamente?
É, no entanto, apesar de perceber a necessidade de catalogar uma coisa tão imaterial como o fado, quero sobretudo manter-me fiel a mim própria. Gosto muito de fado, é o meu maior amor, mas acho que as pessoas não devem ser catalogados, e devem manter-se livres para fazerem a sua música. Não acho que alguém deixe de ser fadista, só porque também canta outras coisas... E eu, neste disco tenho músicas que não são fado, mas estão lá porque fazem parte da minhas escolhas, como o tema do Chico Buarque (“O meu namorado”), que não podia ser mais nada que MPB (Música Popular Brasileira). O meu repertório vai ser sempre sobretudo fiel a mim, ao que me faz feliz.

A Carminho fez-se fadista nas casas de fado. Acha que a fama a afastará delas à medida que a aproxima das salas de concerto?
Eu vou continuar a frequentar casas de fado, sempre! Porque para mim, o fado é uma coisa que nasce do convívio com a tradição e com a “família” do fado, que são os fadistas, os músicos, os poetas... É nesse convívio que se interioriza e adquire uma espécie de linguagem própria onde vive o fado. Cantar numa sala, em concerto é completamente diferente.

Neste álbum, há apenas quatro originais. É uma opção sua, ou fruto da famosa crise de letristas/autores para fado?
É uma opção minha, mas, de facto o fado não está a passar por uma fase muito abonada de compositores e letristas. E isso tem a ver com a crise da industria musical, isto é, enquanto os cantores continuam a tirar algum rendimento dos concertos, a profissão de poeta e compositor tem tendência para acabar porque eram profissionais que viviam exclusivamente dos direitos de autor. Hoje, a naturalidade com que a nova geração aderiu aos downloads “à borla”, deixa os autores sem meios de subsistência. Mas, eu acredito que é uma fase que vai passar.

A Comissão Europeia nomeou-a Embaixadora do movimento “Youth on the Move”. Porquê?
Não sei, mas aceitei porque espero que esse papel me permita influenciar e motivar os jovens da minha geração a não desistir, a não parar... E se não conseguem o que querem aqui, mudem de sítio, mas não desistam, porque há sempre forma de o conseguir. Hoje, o portefólio, as experiencias diferentes em vários lugares, a criatividade para dar a volta por cima num mundo global, são o que pode salvar alguém de uma situação de desemprego. Ao mesmo tempo, sei como é ingrato ouvirem-me dizer que “vais conseguir”. Nem sempre é fácil levar a palavra certa...

Há amigos seus em dificuldades? Desempregados?
Tenho amigos que foram despedidos, pessoas a quem a carreira não tem corrido bem... Mas, curiosamente o que sinto neles é uma enorme motivação e esperança. É estranho, mas amigos meus foram despedidos, mas, já pensam no que vão a fazer a seguir “nem que seja bolos para fora”... É em tempos de crise que a criatividade é mais posta em prática.

Mas diariamente fala-se dos novos emigrantes. Jovens muito qualificados que abandonam o País. O que acha disto?
Pois, não se pode prender as pessoas aqui. Mas eu acredito que este País cria laços muito fortes nas pessoas. Noutros países como o Reino Unido, por exemplo, não me parece que haja esta saudade que nós sentimos do nosso e que acabará por fazê-los regressar, mais ricos de conhecimento e experiências.

Alma surge enquanto ainda goza o sucesso do Perdoname, o dueto com o Pablo Alborán em Espanha.
Foi uma surpresa e o sucesso foi algo que agradeço muito e me enche de orgulho. Como o Pablo é um fenómeno de popularidade em Espanha, foi tudo muito natural. Participei em alguns concertos com ele, em algumas promoções e agora começo a promoção do meu próprio disco lá. Já tenho ida marcada a vários programas de televisão em Espanha.

Porquê o título Alma?
Porque o fado é uma música para a Alma. Tal como há uma predisposição de quem canta fado para abrir a sua alma e dar tudo, essa predisposição também existe da parte de quem ouve. E é quando esse “diálogo” se dá, que o fado acontece.

Andou um ano a viajar pelo Mundo. É uma experiência que aconselha?
Aconselho a toda a gente porque Portugal é pequeno demais para alguém poder dizer que sabe alguma coisa se nunca viu além deste pequeno rectângulo. Quanto mais não seja porque quanto mais se sabe, mais consciência se tem de que se sabe muito pouco.

Hoje, ainda sente saudade dessa viagem?
Sinto. Muitas saudades. Sobretudo da enorme liberdade de se fazer o que queria, e de ir para onde o destino mandava. Mas, também aconselho quem o fizer a ter um bilhete de volta. Para tornar as coisas praticáveis e reais. Afinal, passar a vida a viajar, é uma ilusão. Quem o faz não vive no seu Mundo. E eu só consegui colocar essa aprendizagens em prática quando tive de voltar a lidar com a rotina da minha vida. Ai sim vi, constatei como passei a olhar a vida, os desafios e as pessoas que me rodeiam de uma forma diferente.

O que mudou na Carminho?
Perdeu medos, desprendeu-se de coisas? Sim perdi medo. Aprendi que não há limites. E as pessoas impõem-se muitos limites, talvez por causa do medo. Acham que os seus limites e capacidades são muito mais curtos do que na realidade são. São as situações que enfrentamos que ditam estes limites. É em situações extremas descobrimos capacidades desconhecidas...Eu fiz coisas que até aí dizia que “nunca faria”.

Nessa longa viagem teve de trabalhar para sobreviver?
A meio tive de ir cantar para ganhar uns trocos.

Mas, no metro, na rua?
Não! Tive uma proposta de embaixadas na Argentina. Estava no Vietname, dei lá um pulo, e depois regressei ao Vietname. Viajei com dinheiro que tinha juntado a cantar... Quando cheguei a Lisboa não tinha um tostão. Mas, uma das coisas que aprendi foi a confiar. Nas pessoas - acho que a bondade se vê nos olhos - e que, com tranquilidade, tudo tudo acaba por se resolver, com tranquilidade.

O Dia da Mulher ainda faz sentido? O que é que as mulheres ainda tem para reivindicar?
Acho que na nossa sociedade, cada vez menos, pelo menos pensando na minha geração. Mulheres e homens estão cada vez mais iguais. Mas faz sentido lembrar as mulheres que continuam aprisionadas noutros pontos do Mundo.

Curiosamente, no fado, parece que dominam as mulheres...
Como intérpretes! Porque como músicos, letristas e compositores ainda dominam os homens. O domínio nota-se mais na industria discográfica porque esta popularidade do fado também passa pela imagem. E, nesse aspecto, talvez seja mais fácil para uma mulher chamar a atenção.

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